Subi
as escadas até o 409, bebi um forte scotch com água, tirei algum
dinheiro da gaveta de cima, desci as escadas, entrei no carro e segui
para o hipódromo. Cheguei lá a tempo do primeiro páreo, mas não
apostei porque não tive tempo de ler os prognósticos.
Fui
ao bar tomar um drinque e vi esta loira alta se aproximar numa velha
capa de chuva. Vestia-se de modo decadente, mas como eu também me
sentia assim, chamei seu nome alto apenas para que ela o escutasse ao
passar:
— Vi,
baby.
Ela
parou e se aproximou.
— Oi,
Hank. Como vai?
Conhecia-a
do Correio Central. Ela trabalhava em outro posto, o que ficava perto
da fonte, mas ela parecia ser mais simpática do que a maioria.
— Estou
numa deprê das boas. Terceiro funeral em dois anos. Primeiro minha
mãe, depois meu pai. Hoje, uma antiga namorada.
Ela
pediu algo para beber. Eu abri o prognóstico.
— Vamos
pegar essa segunda corrida?
Ela
se aproximou e encostou um bocado de perna e peito em mim. Havia algo
debaixo daquela capa de chuva. Sempre procuro um cavalo desconhecido
do público que possa vencer o favorito. Se me parecesse que nenhum
podia vencer o favorito, apostava nele.
Eu
tinha vindo às pistas depois dos dois outros funerais e tinha
vencido. Era alguma coisa a ver com os funerais. Fazem com que você
veja as coisas melhor. Um funeral por dia e eu ficaria rico.
O
cavalo 6 tinha perdido por uma cabeça para o favorito numa corrida
de uma milha da última vez. O 6 tinha sido alcançado pelo favorito
depois de uma liderança de dois corpos, na reta de chegada. O 6
estava pagando 35/1. O favorito cotado em 9/2 naquela corrida. Ambos
voltavam dentro da mesma categoria. O jóquei do favorito tinha
aumentado um quilo, de 58 para 59. O 6 ainda mantinha os 58, mas o
tinham trocado para um jóquei menos conhecido. A distância também
tinha se alterado, sendo agora 1.800 metros. A multidão calculava
que, uma vez que o favorito tinha alcançado o 6 nos primeiros 1.500
metros, então ele o pegaria facilmente numa corrida de 1.800.
Parecia lógico. Mas corridas de cavalo não seguem a lógica. Os
treinadores inscrevem cavalos em condições aparentemente
desfavoráveis para manter o dinheiro do público longe do cavalo. A
nova distância, mais a troca para um jóquei menos conhecido, tudo
isso indicava uma corrida com chance de pagar bem. Olhei para o
placar. O número da série da manhã era 5. O placar dizia 7 para 1.
— É
o cavalo 6 — eu disse a Vi.
— Não,
esse cavalo costuma desistir.
— É
— eu disse, e então me afastei e fui apostar dez na vitória do 6.
O
6 começou a liderar logo na saída do portão, colando-se junto à
cerca interna durante toda a primeira volta, então abriu com
tranquilidade um corpo e 1/4 de diferença na reta do fundo. O resto
do pelotão seguia em bloco. Imaginavam que o 6 iria liderar até
fazer curva, então abrir ao final da reta, e então eles o
ultrapassariam. Era o procedimento padrão. Mas o instrutor dera
conselhos diferentes ao garoto. Ao final da curva, o garoto folgou as
rédeas e o cavalo saltou à frente. Antes que os outros jóqueis
pudessem se dar conta, o 6 tinha 4 corpos de vantagem. Ao fim da reta
de chegada, o jóquei deu uma folga para o 6 respirar, olhou para
trás, e voltou a tocar. Eu estava com boas expectativas. Então o
favorito, 9/5, saiu do pelotão, e o filho da puta avançava.
Devorava a distância, em disparada. Parecia que ia ultrapassar
voando o meu cavalo. O favorito era o cavalo 2. Na metade da reta, o
2 estava meio corpo atrás do 6, então o jóquei do 6 usou o
chicote. O jóquei do favorito já tinha usando o chicote durante
todo esse tempo. O resto da reta seguiu do mesmo jeito, meio corpo a
separá-los, e assim até a linha de chegada. Olhei para o placar.
Meu cavalo tinha subido a 8 por 1.
Voltamos
para o bar.
— O
melhor cavalo não venceu o páreo — disse Vi.
— Não
me importa quem é o melhor. Só me interessa saber o número de quem
chega na frente. Pode pedir.
Pedimos.
— Tudo
bem, espertinho. Vamos ver se ganha na próxima.
— Vou
lhe dizer uma coisa, baby, sou imbatível quando saio de funerais.
Ela
pôs aquela perna e aquele peito junto de mim. Tomei um gole de
scotch e abri o prognóstico. Terceiro páreo.
Dei
uma estudada no programa. Estavam a fim de chacinar a multidão
naquele dia. O cavalo de arranque tinha acabado de ganhar, a multidão
agora só acreditava nos velozes, esquecendo os cavalos que deixam
para arrancar na reta de chegada. A multidão só consegue reter na
memória a corrida anterior. Em parte é por causa dos 25 minutos de
espera entre um páreo e outro. Tudo em que conseguem pensar é no
que acabou de acontecer.
O
terceiro páreo era de 1.200 metros. Agora o favorito era o cavalo de
arrancada, o que saía na frente. Ele tinha perdido a última corrida
por um nariz de diferença em 1.500 metros, segurando a liderança
durante toda a reta e perdendo só no último instante. O cavalo 8
era o mais próximo. Tinha terminado em terceiro lugar, um corpo e
meio atrás do favorito, fechando dois corpos na reta. A multidão
calculava que se o 8 não tinha alcançado o favorito em 1.400 metros
como então poderia pegá-lo numa pista menor? A multidão sempre
voltava quebrada para casa. O cavalo que ganhara a corrida de 1.400
metros não estava na corrida de hoje.
— É
o cavalo 8 — eu disse a Vi.
— A
distância é muito curta. Ele nunca conseguirá — disse Vi.
O
cavalo 8 era o sexto da série e cotava 9.
Peguei
o dinheiro do páreo anterior e pus 10 no cavalo 8. Se você aposta
muito pesado, seu cavalo perde. Ou então você muda de ideia e
abandona seu cavalo. Dez era uma boa e ao mesmo tempo uma aposta
confortável.
O
favorito parecia bem. Foi o primeiro a sair na largada, grudou na
cerca e abriu dois corpos. O 8 corria folgado, próximo do último,
movendo-se gradualmente em direção à cerca. O favorito ainda
parecia bem na cabeça da reta. O jóquei levava o cavalo 8, agora em
quinto lugar, frouxo, até que começou a usar o relho de leve. Então
o favorito começou a perder galope. Tinha feito o primeiro quarto em
22 e 4/5, mas ainda tinha dois corpos de vantagem. Então o cavalo 8
simplesmente disparou, flutuando, e ganhou por dois corpos e meio.
Olhei para o placar. Ainda marcava 9 por 1.
Voltamos
ao bar. Vi encostou seu corpo no meu.
Ganhei
3 dos últimos 5 páreos. Só havia 8 páreos naqueles dias em vez de
9. De qualquer forma, 8 páreos tinham sido o suficiente para aquele
dia. Comprei dois charutos e fomos para o meu carro. Vi tinha vindo
de ônibus. Parei para comprar uma garrafa de uísque e fomos para
minha casa.
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
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