sábado, 20 de janeiro de 2024

Cartas na Rua | 11


Subi as escadas até o 409, bebi um forte scotch com água, tirei algum dinheiro da gaveta de cima, desci as escadas, entrei no carro e segui para o hipódromo. Cheguei lá a tempo do primeiro páreo, mas não apostei porque não tive tempo de ler os prognósticos.
Fui ao bar tomar um drinque e vi esta loira alta se aproximar numa velha capa de chuva. Vestia-se de modo decadente, mas como eu também me sentia assim, chamei seu nome alto apenas para que ela o escutasse ao passar:
Vi, baby.
Ela parou e se aproximou.
Oi, Hank. Como vai?
Conhecia-a do Correio Central. Ela trabalhava em outro posto, o que ficava perto da fonte, mas ela parecia ser mais simpática do que a maioria.
Estou numa deprê das boas. Terceiro funeral em dois anos. Primeiro minha mãe, depois meu pai. Hoje, uma antiga namorada.
Ela pediu algo para beber. Eu abri o prognóstico.
Vamos pegar essa segunda corrida?
Ela se aproximou e encostou um bocado de perna e peito em mim. Havia algo debaixo daquela capa de chuva. Sempre procuro um cavalo desconhecido do público que possa vencer o favorito. Se me parecesse que nenhum podia vencer o favorito, apostava nele.
Eu tinha vindo às pistas depois dos dois outros funerais e tinha vencido. Era alguma coisa a ver com os funerais. Fazem com que você veja as coisas melhor. Um funeral por dia e eu ficaria rico.
O cavalo 6 tinha perdido por uma cabeça para o favorito numa corrida de uma milha da última vez. O 6 tinha sido alcançado pelo favorito depois de uma liderança de dois corpos, na reta de chegada. O 6 estava pagando 35/1. O favorito cotado em 9/2 naquela corrida. Ambos voltavam dentro da mesma categoria. O jóquei do favorito tinha aumentado um quilo, de 58 para 59. O 6 ainda mantinha os 58, mas o tinham trocado para um jóquei menos conhecido. A distância também tinha se alterado, sendo agora 1.800 metros. A multidão calculava que, uma vez que o favorito tinha alcançado o 6 nos primeiros 1.500 metros, então ele o pegaria facilmente numa corrida de 1.800. Parecia lógico. Mas corridas de cavalo não seguem a lógica. Os treinadores inscrevem cavalos em condições aparentemente desfavoráveis para manter o dinheiro do público longe do cavalo. A nova distância, mais a troca para um jóquei menos conhecido, tudo isso indicava uma corrida com chance de pagar bem. Olhei para o placar. O número da série da manhã era 5. O placar dizia 7 para 1.
É o cavalo 6 — eu disse a Vi.
Não, esse cavalo costuma desistir.
É — eu disse, e então me afastei e fui apostar dez na vitória do 6.
O 6 começou a liderar logo na saída do portão, colando-se junto à cerca interna durante toda a primeira volta, então abriu com tranquilidade um corpo e 1/4 de diferença na reta do fundo. O resto do pelotão seguia em bloco. Imaginavam que o 6 iria liderar até fazer curva, então abrir ao final da reta, e então eles o ultrapassariam. Era o procedimento padrão. Mas o instrutor dera conselhos diferentes ao garoto. Ao final da curva, o garoto folgou as rédeas e o cavalo saltou à frente. Antes que os outros jóqueis pudessem se dar conta, o 6 tinha 4 corpos de vantagem. Ao fim da reta de chegada, o jóquei deu uma folga para o 6 respirar, olhou para trás, e voltou a tocar. Eu estava com boas expectativas. Então o favorito, 9/5, saiu do pelotão, e o filho da puta avançava. Devorava a distância, em disparada. Parecia que ia ultrapassar voando o meu cavalo. O favorito era o cavalo 2. Na metade da reta, o 2 estava meio corpo atrás do 6, então o jóquei do 6 usou o chicote. O jóquei do favorito já tinha usando o chicote durante todo esse tempo. O resto da reta seguiu do mesmo jeito, meio corpo a separá-los, e assim até a linha de chegada. Olhei para o placar. Meu cavalo tinha subido a 8 por 1.
Voltamos para o bar.
O melhor cavalo não venceu o páreo — disse Vi.
Não me importa quem é o melhor. Só me interessa saber o número de quem chega na frente. Pode pedir.
Pedimos.
Tudo bem, espertinho. Vamos ver se ganha na próxima.
Vou lhe dizer uma coisa, baby, sou imbatível quando saio de funerais.
Ela pôs aquela perna e aquele peito junto de mim. Tomei um gole de scotch e abri o prognóstico. Terceiro páreo.
Dei uma estudada no programa. Estavam a fim de chacinar a multidão naquele dia. O cavalo de arranque tinha acabado de ganhar, a multidão agora só acreditava nos velozes, esquecendo os cavalos que deixam para arrancar na reta de chegada. A multidão só consegue reter na memória a corrida anterior. Em parte é por causa dos 25 minutos de espera entre um páreo e outro. Tudo em que conseguem pensar é no que acabou de acontecer.
O terceiro páreo era de 1.200 metros. Agora o favorito era o cavalo de arrancada, o que saía na frente. Ele tinha perdido a última corrida por um nariz de diferença em 1.500 metros, segurando a liderança durante toda a reta e perdendo só no último instante. O cavalo 8 era o mais próximo. Tinha terminado em terceiro lugar, um corpo e meio atrás do favorito, fechando dois corpos na reta. A multidão calculava que se o 8 não tinha alcançado o favorito em 1.400 metros como então poderia pegá-lo numa pista menor? A multidão sempre voltava quebrada para casa. O cavalo que ganhara a corrida de 1.400 metros não estava na corrida de hoje.
É o cavalo 8 — eu disse a Vi.
A distância é muito curta. Ele nunca conseguirá — disse Vi.
O cavalo 8 era o sexto da série e cotava 9.
Peguei o dinheiro do páreo anterior e pus 10 no cavalo 8. Se você aposta muito pesado, seu cavalo perde. Ou então você muda de ideia e abandona seu cavalo. Dez era uma boa e ao mesmo tempo uma aposta confortável.
O favorito parecia bem. Foi o primeiro a sair na largada, grudou na cerca e abriu dois corpos. O 8 corria folgado, próximo do último, movendo-se gradualmente em direção à cerca. O favorito ainda parecia bem na cabeça da reta. O jóquei levava o cavalo 8, agora em quinto lugar, frouxo, até que começou a usar o relho de leve. Então o favorito começou a perder galope. Tinha feito o primeiro quarto em 22 e 4/5, mas ainda tinha dois corpos de vantagem. Então o cavalo 8 simplesmente disparou, flutuando, e ganhou por dois corpos e meio. Olhei para o placar. Ainda marcava 9 por 1.
Voltamos ao bar. Vi encostou seu corpo no meu.
Ganhei 3 dos últimos 5 páreos. Só havia 8 páreos naqueles dias em vez de 9. De qualquer forma, 8 páreos tinham sido o suficiente para aquele dia. Comprei dois charutos e fomos para o meu carro. Vi tinha vindo de ônibus. Parei para comprar uma garrafa de uísque e fomos para minha casa.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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