Mas
estava escrito que esse dia devia ser o dos lances dúbios. Poucas
horas depois, encontrava-me eu com o Lobo Neves, na rua do Ouvidor; e
falamos da presidência e da política. Ele aproveitou o primeiro
conhecido que nos passou à ilharga, e deixou-me, depois de muitos
cumprimentos. Lembra-me que estava retraído, mas de um retraimento
que forcejava por dissimular. Pareceu-me então (e peço perdão à
crítica, se este meu juízo for temerário!) pareceu-me que ele
tinha medo – não medo de mim, nem de si, nem do código, nem da
consciência; tinha medo da opinião. Supus que esse tribunal anônimo
e invisível, em que cada membro acusa e julga, era o limite posto à
vontade do Lobo Neves. Talvez que ele já não amasse a mulher; e,
assim, pode ser que o coração fosse estranho à indulgência dos
seus últimos atos. Cuido (e de novo insto pela boa vontade da
crítica!) cuido que ele estaria pronto a separar-se da mulher, como
o leitor se terá separado de muitas relações pessoais; mas a
opinião, essa opinião que lhe arrastaria a vida por todas as ruas,
que abriria minucioso inquérito acerca do caso, que coligiria uma a
uma todas as circunstâncias, antecedências, induções, provas, que
as relataria na palestra das chácaras desocupadas, essa terrível
opinião, tão curiosa das alcovas, obstou à dispersão da família.
Ao mesmo tempo tornou impossível o desforço que seria a divulgação.
Ele não podia mostrar-se ressentido comigo, sem igualmente buscar a
separação conjugal; e teve então de simular a mesma ignorância de
outrora, e, por dedução, iguais sentimentos.
Que
lhe custasse creio; naqueles dias, principalmente, vi-o de modo que
devia custar-lhe muito. Mas o tempo (e é outro ponto em que eu
espero a indulgência dos homens pensadores!), o tempo caleja a
sensibilidade, e oblitera a memória das coisas; era de supor que os
anos lhe despontassem os espinhos, que a distância dos fatos
apagasse os respectivos contornos, que uma sombra de dúvida
retrospectiva cobrisse a nudez da realidade; enfim, que a opinião se
ocupasse um pouco com outras aventuras. O filho, crescendo, buscaria
satisfazer as ambições do pai; seria o herdeiro de todos os seus
afetos.
Isso,
e a atividade externa, e o prestígio público, e a velhice depois, a
doença, o declínio, a morte, um responso, uma notícia biográfica,
e estava fechado o livro da vida, sem nenhuma página de sangue.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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