sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Cadernos de Lanzarote | 11 de Agosto de 1993

Temos um cão em casa, vindo não se sabe donde. Apareceu assim, sem mais, como se andasse à procura de donos e finalmente os tivesse encontrado. Não tem maneiras de vadio, é novinho e nota-se que foi bem ensinado lá onde viveu antes. Assomou à porta da cozinha quando almoçávamos, sem entrar, olhando apenas. Luís disse: “Está ali um cão.” Movia levemente a cabeça a um lado e a outro, como só sabem fazê-lo os cães: um verdadeiro tratado de sedução disfarçada de humildade. Não sou entendido em bichos caninos, sobretudo se pertencem a raças menos comuns, mas este tem todo o ar de ser cruzamento de cão-d’água e fox-terrier. Se não aparecer por aí o legítimo dono (outra hipótese é que o animal tenha sido abandonado, como acontece tantas vezes neste tempo de férias), vamos ter de levá-lo ao veterinário para que o examine, vacine e classifique. E há que dar-lhe um nome: já sugeri Pepe, que, como se sabe, é diminutivo espanhol de José... Amanhã será lavado e espulgado. Ladra baixinho, por enquanto, como quem não quer incomodar, mas parece ter ideias claras quanto às suas intenções: a minha casa é esta, daqui não saio.

José Saramago, in Cadernos de Lanzarote

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