Dormir
junto. Definitivamente a melhor e a pior ideia que o ser humano já
teve.
Melhor
porque é um dos momentos de maior comunhão da vida. Há quem diga
que dormir junto com alguém é um ato mais íntimo do que o próprio
sexo. Eu não duvido. Partilhar nossas sagradas e escassas horas de
sono com alguém é mesmo um ato de entrega, da mais profunda e
sincera generosidade.
Por
outro lado… Sério. Gente. Que ideia. Sério. Difícil. Muito
difícil.
Tudo
começa com o horário de ir deitar.
Às
vezes um acaba cedendo ao sono do outro, por mais que esteja
absolutamente disposto, animado e – o pior de tudo – falante.
Deitam na cama. Um se ajeita no travesseiro, se cobre e fecha
deliciosamente os olhos. Mas aí vem o Sem Sono e diz algo urgente do
tipo “Você viu que vai abrir um restaurante de comida indiana
perto da casa da sua tia?”. O Com Sono tenta uma resposta do tipo
“Ah é? Legal…”, enquanto se afunda um pouco mais no
travesseiro. E o Sem Sono insiste “É, mas não sei se vai dar
certo não, porque os últimos dois restaurantes indianos que eu
conheço acabaram fechando e…”. Pronto, tá na cara que não vai
acabar bem. O Sem Sono acaba sem respostas, o Com Sono sem poder
dormir.
Mas,
por fim, o Sem Sono para de falar e decide se ajeitar na cama. Um já
está lá, paradinho, cochilando, e o outro começa a procurar
posição. Gira pra lá, gira pra cá, dá pirueta, parece um frango
de padaria. Conforme ele gira, o que já cochila vai pulando por
causa do balanço do colchão, quase como se estivessem numa cama
elástica.
Mas
pronto. Adormecem. Que bom. Até que um dos dois dá um daqueles
bizarros tremeliques semiepiléticos e o outro quase enfarta de
susto. Tudo bem. Passou. Dormem de novo.
De
repente um deles acorda assustado com um barulho. Não sabe bem se é
uma broca no vizinho, um leitão na varanda, um trator na rua ou o
Godzilla na janela. Mas não é nada disso. É só aquela pessoinha
amada tentando respirar. Inacreditável. A cada ronco até a
estrutura do prédio treme. Uns 6,8 na escala Richter. E é
geralmente nessa hora que elas resolvem extravasar todo o seu lado
afetuoso, abraçando a outra pessoa bem pertinho só para roncar
carinhosamente bem na orelha dela.
Superada
(ou tolerada) essa dificuldade, começam os problemas de termostato.
Enquanto um transpira como se estivesse fazendo sauna no inferno, o
outro puxa o edredom até o pescoço. E claro, o edredom é um só e
acaba cobrindo também aquele coitado que está morrendo de calor,
que acaba tentando escapulir uma perna e um braço para fora da cama.
Nessas horas, ar-condicionado e ventilador causam mais discórdia do
que WhatsApp de ex. E nas raríssimas vezes em que há harmonia de
temperaturas, começa um tipo de cabo de guerra com a roupa de cama.
Só sobrevivem os fortes.
Ainda
tem aquelas maravilhas periféricas tipo um que baba no braço do
outro, um que range o dente sem parar, um que solta frases nonsense
durante a noite, um que levanta cinco vezes para fazer xixi, um que
vai avançando no terreno alheio até quase jogar o outro no chão, o
outro que bebe seis litros de água durante a noite. Enfim, essas
alegrias todas.
Mas
os abraços noturnos compensam tudo. Especialmente quando um coloca o
braço embaixo da orelha do outro, que começa a ficar quente e
vermelha enquanto o braço formiga até o cotovelo travar de dor. No
verão então, é uma maravilha. Você mal aguenta o contato com o
lençol e recebe aqueles doces abraços de uma criatura cujo corpo
está a 36 graus. Meu Jesus.
Para
acordar, nada melhor do que um ter programado o despertador e na hora
que toca ninguém saber o que está acontecendo. É o seu? É o meu?
É a campainha? Até que um bate naquela porcaria e… Coloca na
soneca. Dez minutos depois a porcaria toca de novo. E mais dez. E
toca. Mais dez. Toca. Detalhe: são 6h40, sendo que o dono do
despertador devia ter levantado às 6h e o outro coitado que já
acordou quatro vezes só precisava levantar às 9h.Não é fácil.
Mas
quando acaba toda essa saga, você olha para aquela pessoa na cama e
acaba sorrindo. Não sabe bem por quê, mas tem certeza de que aquilo
tudo faz sentido: roncos, babas, tremeliques e tudo mais. Não tem
jeito, aquela noite atrapalhada é mesmo boa. E por mais confortável
que seja uma noite com a cama toda ao nosso dispor, sem disputas por
espaço ou por lençol, fica faltando alguma coisa. Uma cama gostosa,
inteira e cheia de travesseiros acaba se tornando uma cama vazia.
Coisas
que só o amor explica.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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