Certo
episódio como epígrafe
Faz
pouco mais de um ano, em uma das minhas raras idas ao Rio, cidade sem
tantas reservas e preconceitos como São Paulo, fui convidado por um
amigo para comer rabada à moda da casa num restaurante típico, bem
sujinho por sinal. Meu amigo se fez acompanhar então de um editor
carioca especializado na publicação de obras científicas. Cara
pálida, o editor, mal se sentou à mesa, começou a discorrer
exasperado sobre a precariedade das nossas condições
médico-cirúrgicas (soube depois que ele, gravemente enfermo, estava
desenganado), passando daí, extensivamente, a invectivar contra o
brasileiro. Como a rabada demorava, na primeira brecha arrisquei uma
tímida explicação, cujo único pecado foi eu misturar uns parcos
condimentos de sociologia e economia no meu papo, dizendo sempre,
enquanto me referia à nossa suposta comunidade: “Nós… nós…
nós…”. E não tinha desfiado mais do que três contas de um
rosário sobejamente conhecido, quando o editor carioca, sempre
abatido, me cortou com estranha vitalidade:
“Nós,
não. Eu sou europeu!”
Me
lembro que em Pindorama, pequena cidade do interior paulista onde
nasci e passei a infância, me lembro que até as mínimas coisas de
uso trivial, como agulhas de coser, fossem de mão (inglesas) ou de
máquina (alemãs), as coisas todas do dia a dia só eram boas, como
de fato eram, se fossem estrangeiras. Os produtos alemães gozavam
naqueles anos 40 de um prestígio especial. A marca Solingen, de
tesouras e outros artefatos de metal, era conhecida do mais remoto
homem da área rural. Aos brasileiros, na época, era permitida uma
autoconfiança na qualidade da sua produção agrícola e das
matérias-primas em geral que eram exportadas para os países
industrializados.
No
campo da produção cultural, as coisas se passavam mais ou menos do
mesmo modo. Apesar do movimento vigoroso, mas incipiente (como
incipiente a indústria de manufatura), no sentido de se imprimir um
caráter próprio ao que fazíamos, continuávamos importando ou
copiando o que era feito lá fora, sobretudo na França. Os
brasileiros, além de confiarem no seu futebol, podiam se sentir
seguros da sua música popular, do seu Carnaval exuberante, quando as
escolas de samba, compostas no grosso por pretos, com passistas e
requebros admiráveis, rendiam inclusive homenagem à aristocracia,
desfilando nas ruas com fantasias de reis e rainhas.
Podiam
acreditar também na excelência de um samba que tematizasse a beleza
da “mulata”, as crenças afro-brasileiras, ou a miséria
descarnada das favelas, realidades fascinantes sobretudo para
estrangeiros à procura de manifestações “exóticas”, no caso
cuidadosamente patrocinadas pela classe dominante nacional.
Manufaturados
ou cultura, preferíamos então quase tudo que viesse de fora, do
estrangeiro, da Europa. E o reverso dessas preferências não era só
o desprezo pelo que produzíamos aqui, o reverso era também grande
desrespeito por nós mesmos: éramos um povo indolente, lasso de
costumes, de pouca inventividade, e outras pechas que maliciosamente
nos atribuíam e que aceitávamos em decorrência de uma mitologia
racial e de uma mitologia dos trópicos. Aquelas preferências
confirmavam pois essas mitologias concebidas por europeus e
introduzidas aos poucos entre nós, desde os primórdios pela
catequese dos colonizadores e, depois, pela mediação da classe
dominante brasileira, que se fazia educar na metrópole. Tanto que
ainda hoje, quando alguma cidade do Sul do país se cobre de branco,
em um desses raros dias de frio intenso, o orgulho nacional sobe uns
graus em certos corações, desaparecendo com a mesma rapidez com que
a neve se funde. Com a mesma exorbitância em relação ao clima, ou
à etnia, passava-se conclusivamente na época da qualidade do
produto para a avaliação do homem: bom era o produto importado, bom
era o homem estrangeiro (europeu); ruim era o produto nacional, ruim
era o próprio brasileiro. Interpretávamos corretamente então o
papel que nos destinavam no contexto internacional. Com sua indústria
tosca, o Brasil, em cada cidade ou vila, respondia eloquentemente a
certa concepção racial, sentindo-se inferior. Mesmo porque o
Brasil, ao mesmo tempo branco, negro e indígena, mas sobretudo
pardo, não podia atender aos discutíveis padrões somáticos dos
povos brancos supostamente superiores. É claro que, revigorados nas
suas tradições racistas, ou então contaminados pela ideologia
racial em voga, muitos brasileiros brancos deveriam ora sofrer a
nostalgia de uma geografia perdida ora afagar no íntimo (embora nem
sempre tão discretamente) suas origens europeias. Mas isso já é
uma outra história.
Naqueles
anos 40, o mundo estava sendo sacudido, os velhos impérios se
desmoronando, novos polos de poder emergindo, novos impérios se
esboçando, mas para nós prevalecia a estrutura de costume: o centro
do mundo era a Europa (Paris o seu umbigo), o Brasil era parte da
periferia, devendo ter os olhos submissos sempre voltados para a
matriz. Matriz ao mesmo tempo única e polivalente, qualquer coisa
assim beirando uma entidade atemporal, com nada antes, nem depois.
Apesar
das mudanças ocorridas no pós-guerra, fossem as transformações no
plano interno brasileiro, sobretudo a implantação de um parque
industrial, fundamentado numa siderurgia própria e na transferência
de técnicas devidamente acompanhadas de capitais estrangeiros
altamente recicláveis; fosse o deslocamento dos polos de poder no
plano internacional (URSS e EUA, mesmo com suas características e
idiossincrasias culturais, seriam percebidos como prolongamento e
desdobramento europeus, respectivamente); fossem enfim as
transformações ocorridas na própria Europa (perda de hegemonia,
situação política um tanto a reboque, “modernização” do seu
velho colonialismo através das multinacionais etc.), o prestígio
europeu ainda é enorme. Seja pelo seu acervo cultural, mais
respeitado talvez que qualquer outro, ou pela sua matreirice
política, capaz de lhe emprestar uns ares de autonomia e maturidade,
a Europa desenvolvida de hoje continua como um dos referenciais do
nosso “atraso”. Ainda recentemente, o humorista brasileiro
Henfil, relatando uma viagem de volta, afirmou que saiu da Europa em
1980 e chegou ao Brasil em 1935.
A
distância é sem dúvida grande, provavelmente até maior que a
sugerida, desde que não se questione a noção de “progresso”, e
que se aceite candidamente a Europa como referência, daí que o
poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, aludindo ao potencial
destruidor da tecnologia, afirmou: “Isso não é civilização,
francamente; isso é uma porcaria”.
Seja
como for, nossas atitudes mudaram ou continuaram mudando nessas
quatro décadas. No Brasil tropical, é maior hoje o número de
brasileiros que não levam a sério o preconceito quanto ao clima
como fator impeditivo de realizações, pelo contrário. O Egito
antigo, também tropical, construiu — da perspectiva europeia —
uma “grande civilização”. E, note-se, o povo egípcio da
Antiguidade não era branco, uma informação que nos foi sonegada
pelos manuais escolares. Aliás, é maior hoje, no Brasil
multirracial, o número de brasileiros que não se sentem inferiores
com sua cor ou com sua mestiçagem, vislumbrando-se na miscigenação
uma das nossas melhores contribuições. Sabemos que os europeus,
quanto à etnia, são também formados por grupos híbridos, como
certas espigas de milho; como de resto foram híbridos todos os
grupos humanos das chamadas “grandes civilizações” anteriores.
Inclusive a cultura europeia, impregnada de judaísmo e cristianismo,
não é mais que o desenvolvimento de uma complexa mistura de
elementos provenientes de várias fontes, ou seja, ideias de outras
geografias migraram para lá como a migração das andorinhas. Se a
imagem é muito lírica, não abarcando ideias inquietantes, digamos
que houve também por muitos séculos uma dispersão de vespas em
plagas europeias. É bom lembrar que o sucesso europeu, sobretudo
nórdico, que não se confunde com as civilizações mediterrâneas
da Antiguidade (a Grécia antiga tinha vínculos inclusive com
culturas orientais), é fenômeno recente. Na Idade Média, que a
ótica dos historiadores ocidentais insiste — com tanto mouro pela
frente — em só ver uma idade de trevas, os nórdicos, hoje
mencionados como protótipo de “civilizados”, eram povos que
estavam se iniciando na história dos vencedores.
Nossas
atitudes continuam mudando, embora essas mudanças não possam ser
generalizadas, longe disso. O consumidor comum, que não faz turismo
no exterior, se é que alguma vez faz pelo Brasil, não costuma
pensar em produtos importados e adquire sem relutância o que é
fabricado atualmente no país. E cada vez mais cidadãos brasileiros
vão introduzindo componentes sociais e políticos nos critérios de
avaliação do que é produzido aqui, em geral de qualidade inferior
ao similar de lá fora, mesmo quando a marca é multinacional, e é
quase sempre. Compreendemos cada vez mais essas diferenças de
qualidade, e concluímos cada vez menos nossa suposta inferioridade
humana, excluídas as elites brancas. Suspeita-se também cada vez
mais que o florescimento cultural de uma nação — respeitado o seu
próprio esforço — só acontece com o seu domínio sobre outros
povos. É só virar a cabeça sobre o ombro e olhar para trás. Por
sinal, a expressão civilized world, tão cara aos ingleses
educados, e que inevitavelmente marca os discursos presidenciais
americanos, tem muito a ver com sua atuação, não exatamente
edificante, entre os povos da “periferia”. A esse propósito,
muitos historiadores revelam uma irresistível vocação para o luxo
ao exaltarem as realizações dos “grandes homens”, das “grandes
civilizações”, sem passarem pelo “anonimato” e pela
“periferia”. “Grandes em quê? Grandes por quê? Grandes em
relação a quê?” questiona a pensadora brasileira Marilena Chaui.
“Grandes e poderosos, isto é, os dominantes, cuja ‘grandeza’
depende sempre da exploração e dominação dos ‘pequenos’”,
sem direito à História. Daí que o homem comum assim como os povos
periféricos jamais tiveram seus nomes inscritos como vencedores.
Entretanto, quando se entra em uma residência bem posta, é legítimo
perguntar, diante do orgulho do dono da casa, onde estão os anônimos
que assentaram os tijolos. Como seria legítimo perguntar, num giro
pelos países desenvolvidos, onde estão os povos, humilhados e
ofendidos, que concorreram para o seu brilho.
Dramatizando
um pouco mais, mas nunca o suficiente, seria interessante inventariar
o que propiciou os grandes surtos culturais, sempre percebidos como
expressões maiores da inteligência e da sensibilidade. Quem levasse
a cabo essa tarefa só haveria de ouvir gemidos.
Sem
a menor dúvida, os colonizadores europeus poderiam realizar sua
“tarefa histórica” sem maiores rodeios — a ferro e fogo —
como efetivamente fizeram. Coube porém a intelectuais europeus, o
que choca mas não surpreende, elaborar uma imagem dos povos que
justificasse e legitimasse essa dominação, convertendo-a em “tarefa
civilizatória”.
Já
no século XVI, o reverendo pe. Sepúlveda justificava o Império
Espanhol nas Américas, declarando que o estado de pecado dos nativos
faria deles, por um lado, objetos de catequese e, por outro,
“instrumentos dotados de voz” (nome dado por Aristóteles aos
escravos). Depois do “bom selvagem” de Rousseau, houve o
Sexta-Feira de Defoe, um nativo bem menor que o grande Robinson que
“criou o mundo do nada”. Melhor que a teologia e o romance, a
ciência europeia realizou o seu papel legitimador: além das teorias
raciais que privilegiavam o homem branco, a sociologia alemã
subestimou o homem dos trópicos ao trabalhar uma explicação sobre
o desenvolvimento dos povos a partir das condições geográficas; a
antropologia social francesa explicou a “mentalidade primitiva”
como pré-lógica; e os pensadores liberais provaram, num passe de
mágica, que o liberalismo era verdadeiro na Europa e falso nas
colônias.
Para
ficarmos bem perto dos nossos dias, não foram os psicólogos sociais
americanos que demonstraram que os orientais — os vietnamitas, of
course —, devido à grande densidade demográfica, não
valorizam a vida, acham a morte algo banal, e desconhecem a dor por
ela causada? É de se supor que essas ideias, e muitas outras, foram
em parte concebidas pelo pietismo cristão dos europeus, em parte
pelo humanismo renascentista, e em parte sob a luz do Iluminismo,
cujo clarão permitiu aprimorar também a racionalidade do
capitalismo. Sem se confundirem com vespas, menos ainda como
andorinhas, aquelas ideias todas migraram até nós, desde os
primórdios, como aves de mau agouro, mas sobretudo como aves de
rapina. Quebraram o nosso moral, levando-nos a recusar nossas
próprias potencialidades humanas, tornando-nos dóceis e servis
diante da vontade do colonizador. Aliás, ainda hoje, apesar de
mudanças de atitudes, brasileiros, inclusive letrados, continuam a
interiorizar ideias colonialistas, não tão grosseiras quanto as
ostensivamente racistas. “Este não é um país sério” repete-se
com frequência de norte a sul, e quem sabe até com certa
exorbitância semântica, o que De Gaulle disse por ocasião da
“Guerra da Lagosta”, quando Brasil e França disputavam sobre a
pesca em águas territoriais brasileiras.
Homem
por excelência da “grandeur” (mereceu uma cama de tamanho
especial quando visitou o Brasil), De Gaulle, além de uma
envergadura de dois metros, e não obstante autêntico estadista,
resvalou no piadismo: existiriam países sérios e países que não
são sérios.
Seríamos
contudo parciais se não reconhecêssemos que muitos dos antídotos
contra a ideologia colonialista nos foram fornecidos por europeus.
Nesse sentido, se antes falamos de um modo um tanto pejorativo em
importação e cópia, seria agora o momento de falarmos — sem
arremedos — em absorção do que interessaria à suposta comunidade
brasileira e a que tem legitimamente “direito”, seja à reflexão,
à pesquisa, ou às conquistas técnicas (já que certas opções não
teriam retorno) realizadas na Europa. Afinal, descartáveis ou não,
as ideias são universais, no sentido de que sua produção dependeu
da “periferia”, dos “pequenos”, de onde o acervo cultural,
pelo menos, não ser patrimônio só da “matriz”, dos “grandes”,
pertencendo antes à corrente do esforço humano, marcado por tantos
erros e alguns acertos, sempre comovente quando percebido no seu
conjunto.
Como
comovente seria uma esteira ladeada por catadeiras de café,
procurando deitar fora os grãos estragados e só deixando passar os
sadios, reabastecendo-se no seu curso para repor os grãos sadios que
porventura se estragassem com o tempo. Importaria então fazer uma
triagem escrupulosa da “cultura europeia” para não se incorrer
no cochilo do autor de Os sertões, marco do pensamento
voltado para a terra e o homem brasileiros.
Mesmo
com claras intenções científicas, afirmando inclusive que “o
sertanejo é, antes de tudo, um forte”, Euclides da Cunha deixou
passar um grão virulentamente contagioso ao endossar a inferioridade
racial da mestiçagem, confundido talvez por seus predecessores que
escreviam a história do Brasil (Varnhagen, em especial), assim como
por seus contemporâneos da imprensa, em geral porta-vozes eficientes
dos preconceitos europeus.
“Brasil,
país do futuro.” Num país de 120 milhões de habitantes, a mesma
minoria, que domina no plano interno o grosso da população, se
empenharia em reproduzir no plano externo o modelo de dominação.
Tentando dar existência àquela profecia dos anos 40, enunciada por
Stefan Zweig, um europeu, profecia que veio crescendo no mesmo ritmo
da industrialização do país, os últimos governos de exceção
acabaram por transferir suas obsessões a um suposto Brasil que, nas
suas fantasias precoces de menino, vinha se apresentando sem qualquer
pudor ao mundo como “potência emergente”. E quem fala em
“potência”, segundo o jargão dos moralistas, está pensando na
obscenidade do poder, investido de autoridade. A maioria dominante,
por sinal, dividida, na medida em que é ameaçada, entre a
cooperação com o capital estrangeiro e o posicionamento
nacionalista, não só adotou a ideologia do desenvolvimentismo (o
país tem de crescer a qualquer custo, conforme a concepção do
“Brasil Grande”), mas ao mesmo tempo começou a incomodar, no
plano externo, alguns humildes vizinhos sul-americanos, tentando por
outro lado atravessar ousadamente o Atlântico, de olho numa fatia da
África, exportando em manufaturados quase o equivalente ao que
exporta em matérias-primas, vislumbrando até, no incipiente
comércio de armas, uma galinha de ovos de ouro, sem falar que
ensaia, de lápis sobre a orelha, uma meia dúzia de multinacionais.
Dizem que o “milagre” acabou, mas o que não acabou e nem vai
acabar é o sonho de grandeza: haverá com certeza novas arrancadas.
E depois, é tudo tão imprevisível que até uma surpresa
apocalíptica, aí pelo meio da década, pode dar uma ajuda generosa
aos imediatistas da grandeza nacional.
No
campo da produção cultural, a autoconfiança aumentou muito nas
últimas décadas, fundamentada em parte nas atividades intelectuais,
que se esforçam intensamente em esboçar a fisionomia brasileira,
procurando descolonizar-se mentalmente, insistindo em que devemos nos
voltar para a nossa realidade, tentando afirmar com decisão nossa
própria personalidade, no que vêm conseguindo resultados realmente
consideráveis. Mas, a longo prazo, tudo no fim converge, não
importam os motivos: em meio à miséria de hoje, essas mesmas
atividades, sobretudo as artísticas, mal suspeitam que já podem
estar modelando a máscara de futuros homens arrogantes.
O
pecado original. Pensando nas atuais hegemonias, ou nas futuras, e em
como foram, são, ou serão transitórias tantas hegemonias ao longo
da História (afinal, o que é um século, o que é um milênio, o
que é qualquer medida como segmento de tempo?), somos remetidos para
as inevitáveis relações de poder, sempre investidas de
autoritarismo.
Supondo-se
que todo homem seja portador de uma exigência ética, não há como
estar de acordo com a dominação de uns sobre outros. Penso, como
muitos, que seja possível imaginar caminhos diferentes para as
relações entre indivíduos e entre povos, e penso mesmo que não
existe nada mais belo e comovente do que perseguir utopias. Só que
não seria fácil resistir à crença, como não se resiste a uma
paixão, de que, em certo sentido, o homem é uma obra acabada,
marcado não só pela sua experiência passada, mas marcado sobretudo
— e definitivamente — pela sua dependência absoluta de valores,
coluna vertebral de toda “ordem”, e encarnação por excelência
das relações de poder. Incapaz de dispensá-los ao tentar
organizar-se, é este o seu estigma; sempre às voltas com valores,
vive aí sua grande aventura, mas também sua prisão. Pode ao
reorganizar-se arrefecer desequilíbrios entre dominadores e
dominados, pode inclusive subverter a “ordem” estabelecida, mas
estaria sempre reproduzindo a estrutura de poder.
Se
é assim, é também mais ou menos óbvio que, entre os dominados, só
os tolos se comprometem com a “ordem” que os subjuga. Aos
lúcidos, como sugeriu um pensador do século passado, tudo seria
permitido.
Raduan Nassar, in Obra Completa
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