[…]
Em
Oreanda, sentaram-se num banco perto da igreja e ficaram calados,
olhando o mar embaixo. Mal se avistava Ialta através da névoa
matutina, e nos cumes das montanhas nuvens brancas pairavam imóveis.
A folhagem das árvores estava quieta, cigarras cantavam e o ruído
surdo e monótono do mar, vindo de baixo, falava de repouso, do sono
eterno que nos espera. Esse barulho já se fazia ouvir ali quando não
havia nem Ialta, nem Oreanda; ele se faz ouvir agora e será assim
também no futuro, surdo e indiferente, quando nós não mais
existirmos. E nessa constância, nessa completa indiferença em
relação à vida e à morte de cada um de nós, esconde-se, talvez,
a garantia de nossa salvação eterna, do incessante movimento da
vida na terra, do seu contínuo aperfeiçoamento. Sentado ao lado de
uma jovem mulher, que no amanhecer parecia tão bela, tranquilizado e
enfeitiçado pela visão desse panorama fantástico – o mar, as
montanhas, as nuvens, o amplo céu –, Gúrov pensava que, no fundo,
se refletirmos bem, tudo neste mundo é maravilhoso; tudo, exceto
aquilo que nós mesmos pensamos e fazemos quando esquecemos das
finalidades supremas da existência e da nossa dignidade como homens.
[...]
Anton Tchekhov, in A Dama do Cachorrinho
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