terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Como ele me viu

A princípio eu era inexpressivo — pequeno e cor-de-rosa, indefeso, sem nenhuma habilidade. Não sabia nem me virar na cama. Quando meu pai era um menino, uma criança, um bebê, tinha trazido para o mundo mais do que eu trouxe. Os tempos eram outros, e se exigia mais de todo mundo, até dos bebês. Até os bebês tinham que fazer força.
Mas sendo um bebê eu não sabia nada sobre aqueles tempos difíceis. Nascido num hospital de verdade, com os melhores cuidados médicos e todo tipo de medicamentos para minha mãe, eu simplesmente não sabia como era um parto antigamente. Embora isso não mudasse nada: Edward me amou. De verdade. Ele sempre quisera um menino e lá estava eu. Tinha esperado mais, é claro, de minha chegada. Um brilho, um clarão, talvez até um halo de algum tipo. Aquele sentimento místico de completude. Mas nada disso aconteceu. Eu era apenas um bebê, como qualquer outro — exceto, é claro, pelo fato de pertencer a ele, e isso me tornava especial. Eu chorava um bocado e dormia um bocado, e só; meu repertório era muito limitado, embora houvesse aqueles momentos de percepção e felicidade em que eu olhava para meu pai, deitado em seu colo, com os olhos brilhando, como se ele fosse um deus — o que, de certa forma, ele era. Ou divino, pelo menos, tendo criado esta vida, tendo plantado a semente mágica. Naqueles momentos, ele podia ver o quanto eu era inteligente, o quanto eu era esperto, ele conseguia visualizar meu potencial. Muita coisa era possível.
E então eu começava de novo a chorar, ou minha fralda precisava ser trocada, e ele tinha que me devolver para minha mãe, que ajeitava aquilo tudo e me amamentava, enquanto Edward ficava olhando impotente da sua cadeira, subitamente cansado, terrivelmente cansado do barulho, das noites sem dormir, do cheiro. Cansado da esposa cansada. Portanto, às vezes ele sentia saudades da vida antiga, da liberdade, do tempo para refletir — mas isso o fazia diferente de qualquer outro homem? Era diferente com as mulheres, elas foram feitas para criar filhos, tinham o tipo de concentração para isso. Os homens tinham que sair de casa e trabalhar, sempre fora assim, desde o tempo dos homens das cavernas e era assim até hoje. Os homens eram divididos; eles tinham que ser duas pessoas, uma em casa e outra fora de casa, enquanto a mãe tinha que ser só uma.
Naquelas primeiras semanas, ele levou seu papel de pai muito a sério. Todo mundo notou: Edward tinha mudado. Estava mais pensativo, mais profundo, mais filosófico. Enquanto minha mãe cuidava das coisas do dia a dia, ele ampliava sua visão. Fez uma lista das virtudes que possuía e que queria passar para mim:

perseverança
ambição
personalidade
otimismo
força
inteligência
imaginação

Escreveu tudo isso nas costas de um saco de papel. Virtudes que ele tivera que descobrir sozinho e que poderia compartilhar comigo, de graça. De repente, percebeu que isso era uma grande oportunidade, que o fato de eu ter chegado de mãos vazias era na realidade uma bênção. Olhando dentro dos meus olhos, ele via um grande vazio, um desejo de ser preenchido. E essa seria sua tarefa como pai: preencher-me.
O que fazia nos fins de semana. Ele não passava muito tempo em casa durante a semana, porque estava sempre na estrada, vendendo, indo atrás do dinheiro — trabalhando. Ensinando-me pelo exemplo. Existiria algum emprego em que um homem pudesse ganhar bem sem viajar, sem perambular pelas estradas, dormindo em hotéis e comendo às pressas em quentinhas? Possivelmente. Mas não servia para meu pai. A simples ideia de voltar para casa todos os dias na mesma hora já o deixava um tanto nauseado. Por mais que amasse a mulher e o filho, ele tinha dificuldade em suportar tanto amor. Ficar sozinho era solitário, mas havia uma solidão ainda maior, às vezes, quando ele estava cercado por um monte de gente, exigindo-lhe constantemente. Ele precisava de uma folga.
Quando voltava para casa, sentia-se um estranho. Tudo tinha mudado. Sua mulher tinha rearrumado a sala, comprado um vestido novo, feito novos amigos, lido livros esquisitos, que colocava acintosamente na mesinha de cabeceira. E eu crescia tão depressa. Sua mulher não percebia isso com tanta clareza, mas ele sim. Quando voltava para casa, ele via aquele crescimento inacreditável, e ao vê-lo percebia o quanto isto o tornava menor, em comparação. E de certa forma era verdade: à medida que eu crescia, ele encolhia. E de acordo com essa lógica, um dia eu me tornaria um gigante, e Edward se tornaria um nada, ficaria invisível para o mundo.
Antes que isso pudesse acontecer, no entanto, antes de desaparecer, ele era um pai, e fazia o que um pai devia fazer. Ele brincava de pegar, comprou a bicicleta. Arrumava o lanche para os piqueniques na montanha de onde se via a cidade, a grande cidade tão promissora, de onde ele podia avistar o lugar onde pela primeira vez fez isso e aquilo, e onde fechou seu primeiro negócio, e onde beijou aquela moça bonita, e todos os triunfos e glórias de sua curta vida. Era isso que ele via quando ia lá, não os prédios ou a linha do horizonte, não os bosques ou o hospital onde estavam construindo uma nova ala. Não: era sua história, a história de sua vida adulta que se estendia diante dele como uma paisagem, e ele me levava lá, levantava-me no colo para que eu pudesse ver e me dizia:
Algum dia, filho, tudo isto será seu.

Daniel Wallace, in Peixe Grande 

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