Não
estou aqui. Nunca estive. Isso é o que eu sei fazer melhor: não
estar aqui, agora. Não sei quando foi que comecei a me especializar
nisso, mas acho que foi cedo. Demorei a andar. Demorei a falar. Mas
comecei a ler muito cedo, quando descobri que ler é uma ótima
maneira de não estar aqui. Passei os primeiros anos da minha vida
não estando aqui, nem perto daqui: estava nos livros do Roald Dahl,
no programa da Vovó Mafalda ou em outros lugares inexistentes como a
Conchinchina. Lá, eu era amigo do rei. E do Ézio, artilheiro do
Fluminense.
Durante
os dez primeiros anos da minha vida, estive aqui poucas vezes. Lembro
de um aniversário em que fiz uma breve aparição. Vi o mundo e
achei apavorante. Era melhor voltar para o outro mundo: era mais
aconchegante. As crianças não gritavam tanto. Lá não tocava o
Parabéns da Xuxa. Lá ninguém cantava “Com quem será que o
Gregorio vai casar, vai depender se a…” e diziam o nome da menina
que eu gostava na frente dos meus pais e da menina que eu gostava. A
solução era se esconder debaixo da mesa, uma Conchinchina possível.
Se
você me conheceu e me achou esquisito, desculpa: era muito provável
que não fosse eu. Se me achou simpático, desculpa: também é
provável que não fosse eu. A carcaça está muito bem treinada para
fingir que sou eu. Talvez, se você me vir de novo, eu te reconheça.
Isso tampouco vai significar que sou eu. A carcaça lembra de rostos
e nomes. Ela olha nos seus olhos enquanto você fala. Não se
preocupe. Ela é uma boa pessoa. Ela é uma pessoa melhor que eu. Eu
preferia mil vezes estar aqui, falando com você. Mas tem alguma
coisa que me puxa pra lá. É mais forte que eu.
Onde
é lá? Deixei de frequentar a Conchinchina quando descobri que ela
existe — ou existiu, era uma parte do Vietnã —, logo não
obedece às leis que eu inventar. Em geral, quando não estou aqui
estou num lugar em que eu já estive mas, quando eu estive, não
estava, ou estou nos lugares em que um dia estarei mas, no dia em que
eu estiver, talvez eu já não esteja mais. Raramente encontro comigo
mesmo. Quando acontece, é uma festa.
Tem
acontecido cada vez mais. Aqui tem empadinha de queijo e petit gateau
com sorvete. Nas festas, quase não toca mais o Parabéns da Xuxa.
Todo o mundo já sabe o nome da menina que eu gosto — inclusive
ela. A gente mora junto. Do jeito que a coisa anda, qualquer dia me
mudo pra cá.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Nenhum comentário:
Postar um comentário