sábado, 18 de novembro de 2023

Cartas na Rua | TRÊS

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Eram doze horas por noite, mais os supervisores, mais os funcionários, mais o fato de que você mal podia respirar naquele matadouro, mais a comida intragável do refeitório “sem fins lucrativos”.
Mais o PC1. Plano da Cidade 1. O esquema do posto não era nada em comparação com o PC1 que continha cerca de um terço das ruas da cidade e revelava o modo como eram divididas em números zonais. Eu morava numa das maiores cidades dos Estados Unidos. Era um bocado de ruas. Depois havia o PC2. E o PC3. Você tinha noventa dias para passar em cada teste, três chances em cada um, 95 por cento ou mais, cem cartas numa gaiola de vidro, oito minutos, e se você falhasse eles o deixariam tentar ser presidente da General Motors, como o homem tinha dito. Para os que conseguissem, os esquemas ficariam um pouco mais fáceis, da segunda ou da terceira vez. Mas com as doze horas por noite e os dias de folga cancelados, era demais para a maioria. Àquela altura, do nosso grupo original de 150 ou 200, haviam restado apenas dezessete ou dezoito.
Como posso trabalhar doze horas por noite, dormir, comer, tomar banho, ir de lá para cá, pegar a roupa na lavanderia, cuidar do gás e do aluguel, trocar pneus, fazer todas as pequenas coisas que têm de ser feitas e ainda estudar o esquema? — perguntei a um dos instrutores na sala de treinos.
Faça tudo isso sem dormir — ele me disse.
Olhei para cara dele. Ele não estava tirando onda comigo. O cretino falava sério.

6

Descobri que o único tempo livre para estudar era antes de dormir. Eu estava sempre cansado demais para preparar o café da manhã, e assim eu saía e comprava meia dúzia de cervejas, as colocava na cadeira ao lado da cama, abria uma lata, dava um bom gole e então abria a apostila do método. Quando chegava à terceira lata de cerveja, eu deixava cair a apostila. Mal conseguia chegar a tanto. Então eu bebia o resto da cerveja, sentado na cama, olhando fixo para as paredes. Com a última lata de cerveja eu caía no sono. E, quando acordava, havia tempo apenas para ir ao banheiro, tomar banho, comer e dirigir até lá.
E não havia como se ajustar, você simplesmente ficava cada vez mais e mais cansado. Eu sempre pegava a minha meia dúzia de cervejas no caminho, e numa certa manhã percebi que estava, de fato, acabado. Subi as escadas (não havia elevador) e pus a chave na fechadura. A porta se escancarou. Alguém havia mudado toda a mobília do lugar, colocado um novo tapete. Não, a mobília também era nova.
Havia uma mulher no sofá. Tinha um bom aspecto. Jovem. Boas pernas. Uma loira.
Olá — eu disse —, que tal uma cerveja?
Oi — ela respondeu. — Tudo bem, aceito uma.
Gosto do jeito como este lugar está arrumado — eu disse a ela.
Fui eu que o fiz.
Mas por quê?
Me deu vontade, ora.
Começamos a mamar as cervejas.
Você é legal — eu disse. Pus a minha lata de cerveja de lado e lhe dei um beijo.
Pus a minha mão sobre um de seus joelhos. Era um joelho legal.
Em seguida, dei outro gole na cerveja.
Sim — eu disse —, gostei muito do jeito como este lugar está arrumado. Vai levantar o meu humor.
Que bom! Meu marido também gosta disso.
Mas o que seu marido tem a ver... O quê? Marido? Ei, qual o número deste apartamento?
309.
309? Meu Deus! Estou no andar errado! Moro no 409. Minha chave abriu a sua porta.
Sente, docinho — ela disse.
Não, não...
Peguei as quatro cervejas que sobravam.
Por que sair assim correndo? — ela perguntou.
Alguns homens são loucos — eu disse, indo em direção à porta.
O que você quer dizer?
Quero dizer, alguns caras são apaixonados por suas esposas.
Ela riu.
Não esqueça onde eu moro.
Fechei a porta e subi mais um lance de escadas. Então abri minha porta. Não havia ninguém lá dentro. Os móveis eram velhos e estragados, o tapete quase sem cor. Latas vazias de cerveja se espalhavam pelo chão. Eu estava no lugar certo.
Tirei minhas roupas, enfiei-me na cama e fiz estalar o lacre de outra cerveja.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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