Escrita
no calor da hora, como um desabafo contra os desmandos e ladroagens
dos políticos naquele final conturbado dos anos 1980, “Brasil”
continua mais atual do que nunca. O país pouco avançou em questões
éticas e morais, a sua cultura política apodreceu e os escândalos
se sucedem, cada vez maiores.
Talentoso,
original e abusado, Cazuza foi o porta-voz da indignação nacional
do momento, falando grosso e debochando das nossas misérias e da
nossa impotência contra os vilões de sempre. Coloquial como se
estivesse numa roda de bar, ele se colocava à margem da sociedade,
barrado na “festa pobre” e condenado a consumir “a droga que já
vem malhada / antes de eu nascer”.
Com
uma sucessão de imagens agressivas e dramáticas, montou um mosaico
em que desencanto e deboche se juntam numa declaração de amor e
ódio ao país, um retrato amargo de uma “grande pátria
desimportante” que, apesar de tudo, ele não pretendia trair.
Parceria
com o baixista e produtor Nilo Romero (1960) e com o saxofonista
George Israel (1960), “Brasil” foi lançada no terceiro álbum
solo de Cazuza, Ideologia (1988), quando ele já tinha sido
diagnosticado como soropositivo e estava com as emoções à flor da
pele, expressando seus sentimentos com a raiva e a liberdade dos que
estão marcados para morrer.
Na
sua fase final, a celebração dos excessos e do hedonismo foram
trocados por reflexões amargas e desilusões contundentes sobre o
Brasil, como na faixa-título do disco, em que pedia “uma
ideologia, eu quero uma pra viver”, ou na antológica “O tempo
não para” (com Arnaldo Brandão):
“Tua
piscina está cheia de ratos / tuas ideias não correspondem aos
fatos / O tempo não para.”
Regravada
por Gal Costa, “Brasil” foi usada como tema de abertura da novela
Vale tudo, da Rede Globo (1988), e levou dois troféus do
Prêmio Sharp (que depois se tornou o Prêmio da Música Brasileira):
Música do Ano e Composição Pop-Rock do Ano, e ainda o de Álbum
Pop-Rock do Ano por “Ideologia”.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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