terça-feira, 21 de novembro de 2023

Às vezes o melhor é ficar no alambrado

Eu estudei num colégio que incentivava a competição. Mensalmente, as notas de todos os alunos eram afixadas num mural, tornando público o fracasso de cada um. Faziam-se comparações. Elogiavam-se os mais fortes, desprezavam-se os fracos.
Uma vez por ano, os alunos competiam numa espécie de Olimpíada esportiva, que reservava medalhinhas para os bons. Nunca as ganhei. Até que tentei. Mas percebi que meu lugar era no alambrado, aplaudindo. Lógico que isso me frustrava; o sucesso com as mulheres era diretamente proporcional ao número de medalhas conquistadas.
Como escritor, ganhei meus primeiros prêmios. Alguns, merecidos. Outros, exagero de quem me premiou. Recentemente fui convidado para entregar um prêmio aos alunos escritores da USP. Alguma coisa mudou. De premiado, passei a premiar; envelheço, caro teen. Li, em voz alta, na solenidade de entrega, a saga de um premiado.
Primeiro degrau. Um jovem escritor, incendiário, disposto a tudo, usa a intuição e escreve um livro num fôlego só, relatando com sinceridade sua desgraça. Surpreende-se com o bom resultado do livro. É premiado como autor revelação. Na entrega, diz que é o dia mais feliz da sua vida. Cita Don Leavy: “Escrever é transformar os seus piores momentos em dinheiro.”
Segundo degrau. É uma celebridade. A imprensa o procura, pedindo sua juvenil opinião a respeito dos mais variados assuntos. Está na hora de provar a que veio, se é um talento ou fruto do acaso. Escreve sobre alcoolismo. Ganha outro prêmio. Na entrega, diz que os prêmios não significam nada. E cita Gore Vidal: “Não basta ser bem-sucedido. Os outros têm que fracassar.”
Terceiro degrau. O sucesso o entedia. Passa a não receber a imprensa e a andar com poetas concretos. Escreve sobre o suicídio. É premiado. Despreza. Não vai na entrega porque diz que tem mais o que fazer. E não cita ninguém, preferindo a si mesmo.
Quarto degrau. É indicado para o prêmio mas não leva. Premiam o novo talento que surge. Ele fica um pouco preocupado.
Quinto. Não é nem indicado. Ele começa a achar que há um complô contra si.
Sexto. Cai no esquecimento. Começa a beber. Sua vida se transforma numa desgraça.
Sétimo. Após se suicidar, o prêmio passa a ter o seu nome. Na premiação, vira nome de escola pública.
Há casos em que é melhor não receber prêmios e continuar aplaudindo do alambrado.

Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na Escola

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