Quando
nasceu, no mesmo quarto acontecia um parto espetacular. Era o
primeiro parto de sétuplos do mundo e a mãe dos bebês havia
convidado todas as emissoras do país a televisionarem o recorde. No
mesmo momento em que todas as câmeras focavam na grávida
recordista, nascia, ao fundo do quarto, todo desfocadinho, um bebê
chamado Werner, o primeiro bebê-figurante da história.
Quando
pequeno, na escola, Werner estava sempre no meio da massa de alunos,
sem jamais se fazer notar. Ninguém se lembrava do seu nome, apesar
de tão particular. Conheciam-no ora como menino ora como ei, psiu ou
você. Quando tentava dizer algo, era reprimido e mandado para o
fundo da sala. Logo descobriu que estaria condenado a sentar no
fundo. Mesmo quando não estivesse sentado lá. Quando, por acaso, se
sentava na primeira fila, era no fundo que as coisas aconteciam.
Quando passava pro fundo, o fundo voltava a ser só o fundo.
Um
dia, resolveu fazer uma loucura: saiu de casa vestido com o maiô da
mãe. Descobriu que não era o único. Talvez fosse o mais discreto.
A rua estava tomada de homens vestidos com as roupas da mãe e
mulheres vestidas de roupa nenhuma. Era Carnaval.
Ao
contrário do que se poderia pensar, sua vida não era um tédio.
Muito pelo contrário. Ao seu lado sempre aconteciam as coisas mais
fantásticas. Bastava ele sair de casa para que prédios pegassem
fogo, super-heróis dessem um rasante para salvar alguma menina
indefesa e um homem-bomba se partisse em mil pedaços. Ele só
observava perplexo e conversava com as pessoas ao seu lado (sem fazer
muito barulho).
Aprendeu
a falar baixo, para não atrapalhar a ação principal. Aprendeu a
concordar com o que estavam dizendo. Aprendeu a gesticular como quem
concorda. Quem está em segundo plano nunca discorda. O pessoal
desfocado passa a vida concordando. A não ser em época de
protestos. Lá estava ele, na Paulista, discordando. Educadamente.
Como quem concorda.
Descobriu
os prazeres de não ser notado. Nunca foi julgado. Nunca disseram
dele: esse aceno de cabeça foi meio torto. Esse abraço desfocado
não está muito crível. Ele só passava, sorrindo. E passou a ser
bom nisso. Quando passava, as pessoas se sentiam melhor. Passava tão
sem intenção, tão sem objetivo, tão somente por passar, que
parecia que estava tudo em ordem.
Até
que um dia Werner morreu. Ou melhor, foi demitido. Olhou para a
câmera.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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