[…]
Eu
lamento tanto em cima da xícara com a bebida que eles percebem que
vou ficar bêbado e então todos permitem e insistem que eu tome um
pico de morfina, o que aceito sem medo porque sou um bêbado – Pior
sensação do mundo, tomar morfina quando você está bêbado, o
resultado dá um nó em sua testa como se fosse uma pedra e provoca
muita dor lá enquanto disputam o domínio da área, nenhum deles
ganha porque anularam um ao outro, o álcool e o alcaloide. Mas
aceito, e assim que começo a sentir seu efeito que me alerta e
aquece, olho para baixo e percebo que o frango, a galinha, quer fazer
amizade comigo – Está por perto com o pescoço balançando,
olhando para minha rótula, para minhas mãos pendentes, quer se
aproximar mas não tem autoridade – Então estendo a mão para que
ela a bique, para que ela saiba que não tenho medo porque na verdade
confio que ela não vai me machucar – o que ela não faz – fica
apenas olhando para minha mão com cautela, dúvida e, de repente,
quase com doçura, e então eu tiro a mão com uma sensação de
vitória. Ela cacareja contente, pega um pedaço de algo no chão e o
joga fora, um pedaço de linha pendurado em seu bico, ela o joga
fora, olha ao redor, anda pela cozinha dourada do Tempo em um grande
resplendor de Nirvana de sábado à noite e todos os rios rugindo sob
a chuva, o estrondo em minha alma quando penso na primeira infância
e você vê os adultos grandes na sala, a onda e o ranger de suas
mãos sombrias, enquanto discutem sobre o tempo e a responsabilidade,
em um Filme de Ouro dentro de minha própria mente sem substância
nem mesmo gelatinosa – a esperança e o horror do vazio – grandes
fantasmas gritando em minha cabeça com a fotografia estranha e
engraçada do galo que agora se ergue e emite um som do fundo da
garganta, dirigindo–se às cercas abertas do Missouri, explode em
gritos de pólvora de vergonha matinal, reverendo para o homem – Ao
amanhecer, em meio a oceanidades impenetráveis e áridas de
melancolia profundamente submersa, ele emite sua canção matinal
otimista e ainda assim o fazendeiro sabe que aquilo não vai terminar
daquela maneira otimista. Então ele cacareja, cacarejos de galo,
comenta sobre alguma coisa louca que podemos ter dito, e cacareja –
pobre ser que pressente e percebe, a besta sabe que chegou sua hora
nos galinheiros da Avenida Lenox cacareja exultante como nós –
grita mais alto se é um homem, com barbelas e cristas especiais de
galo Galinha, sua mulher, usa o chapéu ajustável que cai de um lado
para outro de seu bico bonito. “Bom dia, Sra. Gazoooks”, digo a
ela, divertindo-me sozinho ao observar as galinhas como fazia quando
moleque em New Hampshire em fazendas à noite esperando que a
conversa terminasse e a lenha fosse levada para dentro. Trabalhava
duro para meu pai na Terra Pura, era forte e verdadeiro, fui à
cidade para ver Tathagata, nivelei o chão para seus pés, vi
calombos por toda a parte e nivelei o chão, ele passou e me viu e
disse “Primeiro nivele sua mente, e então a terra estará
nivelada, até o monte Sumeru” (o antigo nome do Everest em magadha
antigo) (Índia).
Também
quero fazer amizade com o galo, agora estou sentado diante da cama
nas outras cadeiras depois que El Indio saiu com um bando de homens
suspeitos com bigodes, um dos quais olhou fixamente para mim com
curiosidade e um sorriso orgulhoso e satisfeito quando eu me levantei
com a xícara na mão, agindo como se estivesse bêbado em frente das
mulheres para a edificação dele e de seus amigos – Sozinho na
casa com duas mulheres, sento-me educadamente diante delas e
conversamos com franqueza e avidez sobre Deus. “Meus amigos está
um doentes, eu dou a elesh uma dose”, conta-me a bela Tristessa de
Dolours com seus dedos longos, úmidos e expressivos dançando o
bailado tilintante dos indiozinhos diante de meus olhos assombrados.
“– E cuando meu amigo no me paga, eu naum me importo. Porque”,
aponta para o alto com uma expressão sincera para meus olhos, dedo
no ar, “Meu Senhor me paga – e ele me paga mais M–a–i–s”
– ela se inclina rapidamente para dar mais ênfase, e eu gostaria
de poder dizer a ela em espanhol a bênção inestimável e ilimitada
que receberá de qualquer forma no Nirvana. Mas eu a amo, me apaixono
por ela. Ela acaricia meu braço com o dedo. Eu adoro. Tento me
lembrar de meu lugar e minha posição na eternidade. Renunciei à
luxúria com as mulheres renunciei à luxúria pela luxúria –
renunciei à sexualidade e ao impulso inibidor – quero entrar na
torrente sagrada de luz e ficar seguro em meu caminho para a outra
margem, mas deixaria, de boa vontade, um beijo para Tristessa por
escutar os apelos de meu coração. Ela sabe que eu a amo e admiro
com todo o meu coração e que estou me segurando. “Você tem sua
vida”: diz ela para Old Bull (e sobre ele em um minuto) “e eu
tenho que cuidar da minha, e Jack tem a vida deeli”, apontando para
mim, ela me devolve minha vida e não a exige para si mesma como
fazem tantas mulheres que você ama. – Eu a amo mas quero partir.
Ela diz: “Eu sei, um homem y uma mulher estaum condenados –”
“quando querem estar condenados” – Ela balança a cabeça,
confirma para si mesma alguma sombria crença asteca instintiva,
sábia uma mulher sábia, que teria dignificado os rebanhos de
Bhikshunis na própria época de Yasodhara e teria dado uma freira
divina adicional. Com os olhos fechados e as mãos juntas, uma
Madona. Me faz chorar perceber que Tristessa nunca teve um filho e
provavelmente jamais terá por conta de seu problema com a morfina
(uma doença que perdura enquanto houver necessidade, que, ao mesmo
tempo, se alimenta da necessidade e a satisfaz, isso faz com que
passe o dia inteiro a gemer de dor e a dor é real, como abcessos em
seus ombros ou uma nevralgia que desce pelo lado de sua cabeça e em
1952, pouco antes do Natal, ela quase morreu), a santificada
Tristessa não vai renascer outra vez. Irá direto para seu Deus e
Ele irá recompensar seu rebanho de multibilhões com eternidades e
eternidades de tempo de Carma perdido. Ela compreende o Carma, e diz:
“O que faço é ceifar”, diz em espanhol – “Homens e mulheres
cometem errares – erros, falhas, pecados, faltas,” seres humanos
semeiam com problemas sua própria terra, e tropeçam nas pedras de
sua imaginação falsa e errada, e a vida é dura. Ela sabe, eu sei,
você sabe. – “Mas – eu quero tomar una dose – morfina – e
no ficar mais com essa vontade.” Ela encurva os ombros com rosto de
camponesa, compreendendo a si mesma de uma maneira que eu não
consigo e quando olho para ela sob o tremeluzir da vela sobre as
maçãs protuberantes de seu rosto e ela parece tão bonita quanto
uma Ava Gardner Negra, uma Ava Marrom de rosto comprido e ossos
compridos e olhos semicerrados de cílios compridos – Só que
Tristessa não tem essa expressão de um sorriso sexual, tem a
expressão de menosprezo indígena de rosto triste e abatido para o
que você acha de sua beleza mais que perfeita. Não que seja uma
beleza perfeita como a de Ava, ela tem falhas, erros, mas todos os
homens e mulheres os têm e por isso todas as mulheres perdoam os
homens e os homens perdoam as mulheres e eles seguem seus caminhos
sagrados para a morte. Tristessa ama a morte, vai até o ícone,
arruma as flores e reza. – Ela se abaixa com um sanduíche nas mãos
e reza, olhando de lado para o ícone, sentada na cama da maneira
birmanesa (um joelho na frente do outro) (abatida) (sentada), ela faz
uma longa oração a Maria para pedir bênçãos ou dar graças pela
comida, eu espero em silêncio respeitoso, dou uma olhadela para El
Indio que também é devoto, ao ponto de chorar com seus olhos
vidrados e reverentes de viciado e às vezes gosto especialmente
quando Tristessa tira as meias para entrar nos cobertores da cama
dizendo um segredo de frases de amor veneráveis a meia-voz
(“Tristessa, O Yé comme tu est Belle”) (o que, sem dúvida, é o
que estou pensando mas tenho medo de olhar e ver Tristessa tirar suas
meias de náilon com medo de conseguir ver suas coxas cor de café
com leite e ficar louco) – Mas El Indio também está chapado
demais com a solução venenosa de morfina para se importar e dar
continuidade a sua reverência por Tristessa, ele está ocupado, às
vezes ocupado passando mal, tem uma mulher, dois filhos (do outro
lado da cidade), tem que trabalhar, tem que descolar as paradas para
Tristessa quando ela não tem nada (como agora) – (motivo de sua
presença na casa) Vejo a coisa pipocando e digressionando em todas
as direções, a história daquela casa e daquela cozinha.
Nas
paredes da cozinha há fotos pornográficas de garotas mexicanas,
garotas de lingerie preta e coxas grossas e relevos reveladores dos
seios e drapeado pélvico, que estudo com interesse, nos lugares
certos, mas as fotos estão todas amassadas e manchadas pela chuva e
com as pontas enroladas e penduradas de qualquer jeito na parede, e
você tem de ajeitá-las e esticá-las para poder estudá-las, e
mesmo assim a chuva escorre pelas folhas de repolho e o papelão
encharcado acima – Quem poderia ter tentado fazer um teto para a
felaína? – “Meu Senhor, ele me recompensa mais” –
Jack Kerouac, in Tristessa
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