A
Sra. Ota devia ter quarenta e cinco anos, pelo menos vinte a mais que
Kikuji; mas soube tão bem lhe fazer esquecer essa diferença de
idade, que ele pensava realmente estar beijando uma mulher ainda mais
jovem do que ele próprio.
A
volúpia que acabava de provar era a de um prazer que só a
experiência de sua parceira seria capaz de lhe dar; e no entanto o
rapaz, em nenhum momento, se sentira coibido pela timidez de sua
inexperiência. Tinha a impressão de saber pela primeira vez o que
era uma mulher, desde então conhecendo o que era ser um homem.
Kikuji se surpreendia com essa revelação e com o despertar completo
da sua virilidade.
Nunca
antes suspeitara que existisse, nas mulheres, uma receptividade tão
flexível e tão profunda, capaz de orientá-lo, seguindo-o. Esta
passividade voluptuosamente ativa e cálida que o mergulha num mar de
perfumes. Ele, que apenas experimentava um pouco de dissabor,
satisfeito o desejo, cada vez que aproveitara as liberdades que sua
vida de solteiro oferecia, a essa altura se espantava de se ver, ao
contrário, imerso nas delícias duma languidez gostosa e
apaziguadora. Sabia que, de qualquer outra parceira, se teria
friamente afastado e a enxotado, enquanto aqui, pela primeira vez,
seu corpo adorava sentir o calor doce do outro corpo apertado contra
si, prolongando o amplexo indefinidamente. Não, nunca conhecera numa
mulher estas ondas acariciantes dum sentimento sem fim. Seus
sentidos, ébrios, aí descansavam com delícia, enquanto
interiormente saboreava o triunfo do conquistador, do triunfador que
se faz lavar os pés por seus escravos. Mas, ao mesmo tempo, se
sentia também como uma criança que cisma e se refugia no quente dos
braços de sua mãe.
Livrando
as espáduas e se erguendo um pouco, Kikuji disse de repente:
— Kurimoto
é marcada por grandes manchas de nascença, sabia?
Embora
consciente da perversidade de sua frase, não ia, em seu langor, ao
ponto de se dar conta de quanto podia com isso prejudicar a Chikako.
Não pensava absolutamente em ofendê-la.
— Olhe,
são aqui, assim, bem no seio — e adiantou a mão.
Obedecia
a um impulso estranho e turvo, não sabendo bem de onde lhe vinha
esse inesperado desejo, essa impaciência ávida de trair a si mesmo
e ferir a outrem. Ou quem sabe era apenas um modo de disfarçar, por
pudor juvenil, a curiosidade que tinha daquele corpo feminino?
— Oh!
deixe disso, é repugnante — disse ela, com um gesto distraído de
fechar o quimono, como se não entendesse do que se tratava. — É a
primeira vez que ouço falar disso — acrescentou com indiferença.
— Sob o quimono, não se vê nada.
— Não,
claro, mas assim mesmo...
— O
quê?
— Há
momentos em que se deve ver, forçosamente. Veja, pega esta parte
aqui e aqui.
— Oh!
que malandro... Se eu tivesse a mesma coisa, você procuraria olhar?
— Mas
não, ora!... Se você tivesse manchas neste lugar, me pergunto o que
você faria e o que isso podia oferecer, justamente neste instante..
— Onde
ela tem as manchas, aqui? — e seus olhos se fixaram no próprio
peito, tranquilamente. Em seguida, quis saber com simplicidade: —
Por que fez essa pergunta? Em que é que isso nos importa?
Kikuji
se sentiu desarmado. Desejara passar seu veneno para ela, mas com tão
pouco resultado que lhe fora devolvido e de novo o corroía.
— Em
muito! Tinha apenas oito ou nove anos na única vez em que vi essas
manchas. Desde então, me têm obcecado.
— Mas
por quê?
— E
você, será que não sofreu também com ela? — insistiu Kikuji. —
Há de se lembrar quando a Kurimoto vinha à sua casa, dizendo-se
emissária de minha mãe e inclusive de mim, com calúnias e censuras
violentas.
Ela
curvou a cabeça em sinal de assentimento, iniciando um leve
movimento para se apartar; mas os braços de Kikuji só a apertaram
melhor.
— Pois
bem, nada me tirará da mente que toda a sua maldade, naquele
momento, não era causada senão pelo despeito e a raiva de ter o
seio marcado por essas nódoas, pelo complexo que criou a propósito.
— Mas
é terrível o que você está dizendo!
— E
talvez também ela tenha buscado vingar-se de meu pai.
— Mas
se vingar de quê?
— Seu
complexo... as manchas... Em parte por causa delas, tinha sido
abandonada. Ficou ainda mais inconsolável, mais amargurada com elas.
— Oh,
basta! Não falemos mais nessas manchas horríveis. Perco o ânimo...
E
no entanto — dizia-se Kikuji — não faz a mínima ideia do que
são!
— A
Srta. Kurimoto não tem mais por que se preocupar com isso.
Provavelmente, nem pensa mais no assunto. São coisas que se
esquecem...
— Imagina
que, tendo acontecido, essas coisas não deixem vestígios?
A
Sra. Ota ficou pensativa.
— Ocorre
que o passado, na lembrança, nos seja ainda mais grato — disse
sonhadora.
Foi
então que Kikuji soltou a confissão que no entanto decidira
firmemente calar.
— Conhece
a moça que estava há pouco a seu lado na sessão de chá?
— Yukiko?
Sim... É a filha do Sr. Inamura, não é?
— Kurimoto
me tinha convidado expressamente para que eu a conhecesse.
— Oh!
Os
grandes olhos da Sra. Ota pareceram ainda aumentar e fitaram Kikuji
com gravidade.
— Era
a apresentação duma noiva então? E eu, que nada notei!
— Mas
não, não — protestou Kikuji. — Não estava em causa matrimônio,
lhe afirmo. Nada nesse gênero.
— Ah,
sim, sim... E na saída, eu...
Kikuji
viu se armar nela um grande soluço; logo o espasmo fez tremer seus
ombros e já lágrimas abundantes caíam no travesseiro.
— Imperdoável!
Sou imperdoável!... Mas por que você não disse nada?
Observou-a
a esconder o rosto no travesseiro, chorando sempre. Ele não entedia
bem por quê.
— Se
existe algo de mal no que fizemos, não há de ser aquela pequena
formalidade que mudará qualquer coisa — disse. — Que o
tivéssemos feito ao sair de lá ou não, não importa absolutamente.
Não há relação entre as duas coisas!
Falava
com convicção, era realmente o que pensava. No mesmo instante,
porém, reviu a imagem da Srta. Inamura preparando o chá dentro das
regras da arte, e o furochiki rosa lhe surgiu igualmente, com os
motivos de sembazuru. Teve um estremecimento como de ódio pelo corpo
da mulher que soluçava ao seu lado.
— Ai
de mim, o que eu fiz? Mulher funesta, pecadora! — dizia entre os
soluços, com arrancos que agitavam os ombros redondos.
Kikuji
admitiria de bom grado que devesse se escandalizar daquela aventura,
se pudesse por ela sentir o mínimo remorso. Pois enfim, sem falar no
primeiro encontro com a Srta. Inamura, era nos braços da amante de
seu pai que ele se achava!
Mas
não, até o minuto presente não tivera um só instante a
consciência de agir mal. Nem por um segundo sentira mágoa ou
remorso. Poderia ser um faltoso?
Sequer
se lembrava muito bem como haviam chegado a tal ponto, aquela mulher
e ele. O mais naturalmente possível, sem dúvida, pela simples força
das coisas. . . Mas se tivesse de crer no que ela dizia agora, ela se
arrependia amargamente de o ter seduzido. Seria certo? De modo algum.
Kikuji não tinha dúvidas: não só ela não tivera a intenção
como, em nenhum momento, tivera a consciência de o estar fazendo.
Quanto a ele, sabia bem não ter tido nem o sentimento e nem mesmo a
suspeita de ter-se deixado arrastar. Haviam simplesmente seguido suas
inclinações,, um e outro, sem encarar o aspecto moral da questão,
sem pensar nisso. Nem um dos dois vira no caso qualquer obstáculo e
ambos não resistiram. A moral, em suma, não tinha nada a ver com o
assunto.
Tinham
chegado ao pé da colina que se defronta com a do Templo Engakuji, e
ali entrado numa hospedaria para jantar. Porque aquela conversa, ou
antes as confidências da Sra. Ota falando do pai de Kikuji não
acabavam mais. Nada o obrigava a escutá-la, por certo, e considerava
mesmo um tanto ridícula a fraqueza que lhe demonstrava. De sua
parte, a Sra. Ota, dominada por seu assunto, transbordante de emoção,
falava sem fim, sem que pudesse aflorá-la a menor apreensão quanto
ao interesse que naquilo tudo pudesse ter o seu interlocutor. Já
sutilmente enternecido, a despeito de si mesmo, por sua própria
paciência, Kikuji a ouvira, de início, com um sentimento de
simpatia vaga, mas foi-se deixando ganhar pouco a pouco pelo calor e
a doçura daquela natureza afetuosa e terna, pela deliciosa
intimidade que ela criava entre os dois. E em seguida se entregar
completamente, envolver-se, cobrir-se naquela intimidade. Ao ponto
inclusive de chegar a pensar na felicidade que seu pai deveria ter
conhecido.
Sim,
se era absolutamente necessário que achasse algo a se censurar,
seria essa emoção. Mas do momento em que tinha deixado escapar
assim a ocasião que se ofereceu de repeli-la e afastar-se dela, que
lhe restava além de se deixar levar, cada vez mais, pelos preciosos
enternecimentos do seu coração?
Se
se pôs há pouco a lhe falar de improviso, e quase contra a vontade,
de Chikako e da Srta. Inamura, foi sem dúvida premido por aquela
tenebrosa sensação, aquela parte de sombra que permanecia em seu
íntimo. Tinha querido expulsar a peçonha que engolira e lhe fizera
mal.
Pagara
caro por ela, com efeito, com o coração agora dilacerado mais que
nunca por novos arrependimentos, e tão violentamente sacudido, com
tanta vergonha de si mesmo, tão furioso, que só experimentava um
desejo cego de ferocidade, procurando feri-la com suas palavras mais
cruelmente ainda.
— Tratemos
de esquecer tudo — insinuou ela.
— Digamos
que nada aconteceu.
E
em seguida, após uma pausa, num murmúrio:
— Nada
absolutamente. Nada.
— Mas
é claro que não aconteceu nada — fulminou Kikuji. — Você
apenas reviveu um pouco a lembrança de meu pai! Nada mais e só
isso!
— Oh!
Ela
ergueu surpreendida a cabeça do travesseiro. O rosto estava
desfeito, as pálpebras vermelhas com as lágrimas e o branco dos
olhos congestionado. Mas mergulhando seu olhar naqueles olhos tão
abertos, Kikuji pôde ler ainda neles a deliciosa languidez da
mulher.
— Não
há de ser eu quem diga o contrário, ai! Sou apenas uma pobre
mulher...
— Não
me venha com histórias! — bradou Kikuji, descobrindo-lhe os seios
num gesto brusco. — Se você por acaso tem um sinal de nascença
nalguma parte aí, seria impossível jamais esquecê-la... É antes
impressionante.
Surpreendia-se
a si mesmo com o que estava dizendo.
— Não
me olhe assim, lhe peço. Não sou mais muito jovem...
Com
os lábios arregaçados, escarnecendo, Kikuji se acercou ainda mais.
E se agarrou nela, subitamente pacificado por sua doce languidez,
embalado por suaves ondulações voluptuosas e como ainda tépidas do
que sucedera há pouco.
Voltando
a serenar, distendido, deixou-se cair no sono.
E
quando dele emergiu, nesse mundo ambíguo que oscila entre o sonho e
a realidade, foi ouvindo pássaros cantar. Era a primeira vez,
parecia-lhe, que despertava assim com o canto dos passarinhos.
A
bruma matinal perlava a verde folhagem das árvores e ele estava com
a cabeça tão clara como se banhada de orvalho. Nenhum vestígio
duma ideia inquietante.
A
Sra. Ota dormia ainda, de costas para ele. Kikuji se perguntou em que
momento ela se virará e, apoiando-se no cotovelo, contemplou
longamente o rosto oferecido às primeiras luzes da aurora. Seus
lábios esboçaram um leve sorriso.
Yasunari Kawabata, in Nuvens de Pássaros Brancos
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