Eu
estava lá às 8:50 da manhã. Estacionei e esperei por Jon. Ele
apareceu às 8:55. Saltei e me aproximei do carro dele.
– Bom
dia, Jon...
– Olá,
Hank... Como vai?
– Ótimo.
Escuta, que aconteceu com a greve de fome?
– Oh,
ainda estou nela. Mas mais importante é cortar os pedaços.
Trazia
a Black and Decker consigo. Enrolada numa toalha verde escuro.
Entramos no prédio da Firepower juntos. O elevador nos levou ao
escritório do advogado. Neeli Zutnick. A recepcionista aguardava a
nossa chegada.
– Por
favor, entrem direto – disse.
Neeli
Zutnick esperava. Levantou-se de detrás de sua mesa e apertou-nos a
mão. Depois voltou, sentou-se atrás da mesa.
– Os
cavalheiros gostariam de um cafezinho? – perguntou.
– Não
– disse Jon.
– Eu
tomo um – eu disse.
Zutnick
apertou o botão do intercomunicador.
– Rose?
Rose, minha querida... um café, por favor... – Olhou para mim. –
Creme e açúcar?
– Preto.
– Preto.
Obrigado, Rose... Agora, cavalheiros...
– Onde
está Friedman? – perguntou Jon.
– O
Sr. Friedman me deu instruções completas. Agora...
– Onde
fica sua tomada? – perguntou Jon.
– Tomada?
– Pra
isso... – Jon puxou a toalha, revelando a Black and Decker.
– Por
favor, Sr. Pinchot...
– Onde
fica a tomada? Deixa pra lá, já achei...
Jon
adiantou-se e ligou a Black and Decker na tomada.
– Você
deve entender – disse Zutnick – que se eu soubesse que ia trazer
esse instrumento, teria mandado desligar a eletricidade.
– Tá
tudo bem – disse Jon.
– Não
há necessidade desse instrumento – disse Zutnick.
– Espero
que não. É só... para o caso...
Rose
entrou com o meu café. Jon apertou o botão da Black and Decker. A
lâmina entrou em ação, zumbindo.
Rose
ficou nervosa e entornou o café, só um pouquinho... o bastante para
deixar cair uma gota no vestido. Era um belo vestido vermelho, e ela,
gorda, recheava-o lindamente.
– Uau!
Me deu um susto!
– Desculpe
– disse Jon. – Eu estava só... testando...
– De
quem é o café?
– Meu
– eu disse. – Obrigado.
Ela
me trouxe o café. Eu bem que precisava.
Rose
saiu, lançando-nos um olhar preocupado por cima do ombro.
– Os
Srs. Friedman e Fischman manifestaram consternação por seu atual
estado mental...
– Corta
essa merda, Zutnick! Ou eu consigo a liberação ou o primeiro pedaço
de minha carne será depositado... aqui!
Jon
bateu no centro da mesa do advogado com a ponta da Black and Decker.
– Ora,
Sr. Pinchot, não há necessidade...
– HÁ
NECESSIDADE, SIM! E O TEMPO ESTÁ SE ESGOTANDO! EU QUERO AQUELA
LIBERAÇÃO JÁ!
Zutnick
olhou para mim.
– Que
tal seu café, Sr. Chinaski?
Jon
apertou o gatilho da Black and Decker e ergueu a mão esquerda, o
dedo mindinho esticado. Volteou a Black and Decker em torno do dedo,
a lâmina funcionando furiosamente.
– JÁ!
– TUDO
BEM! – berrou Zutnick.
Jon
tirou o dedo do gatilho.
Zutnick
abriu a gaveta de cima da sua mesa e puxou duas folhas de papel
tamanho ofício. Empurrou-as para Jon. Jon aproximou-se, pegou-as,
sentou-se e começou a ler.
– Sr.
Zutnick – perguntei – posso tomar outra xícara de café?
Ele
me fuzilou com o olhar, apertou o botão do intercomunicador.
– Outra
xícara de café, Rose. Preto...
– Como
em Black and Decker – eu disse.
– Sr.
Chinaski, isso não tem graça nenhuma.
Jon
continuou a ler.
Chegou
meu café.
– Obrigado,
Rose...
Jon
continuava a ler e nós esperávamos. Ele pusera a Black and Decker
atravessada no colo.
Então
disse:
– Não,
isso não serve...
– QUÊ?
– perguntou Zutnick. – É UMA LIBERAÇÃO TOTAL!
– Toda
a cláusula “e” deve ser retirada. Contém ambiguidades demais.
– Posso
ver esses papéis? – perguntou Zutnick.
– Certamente...
Jon
colocou-os sobre a lâmina da Black and Decker e passou-os para
Zutnick. O advogado tirou-os da lâmina com certa repugnância.
Começou a ler a cláusula “e”.
Não
estou vendo nada de errado aqui...
– Retire...
– Você
realmente pretende cortar um de seus dedos?
– Pretendo.
E posso até cortar um dos seus.
– Isso
é uma ameaça? Está me ameaçando?
– Pense
no seguinte: eu não tenho nada a perder aqui. Só vocês.
– Um
contrato assinado sob essas condições pode ser considerado
inválido.
– Você
me dá nojo, Zutnick! Elimine a cláusula “e” ou meu dedo se vai!
JÁ!
Jon
apertou o botão. A Black and Decker tornou a saltar em ação. Jon
Pinchot estendeu o dedo mindinho da mão esquerda.
– PARE!
– gritou Zutnick.
Jon
parou.
Zutnick
falava no intercomunicador.
– ROSE!
Preciso de você...
Rose
entrou.
– Mais
café para os cavalheiros?
– Não,
Rose. Quero todo este contrato revisto e rodado de novo, mas elimine
a cláusula “e”, e depois me devolva.
– Pois
não, Sr. Zutnick.
Ficamos
ali sentados por algum tempo.
Então
Zutnick disse:
– Pode
tirar essa coisa da tomada agora.
– Ainda
não – disse Jon. – Só quando tudo estiver finalizado.
– Você
tem realmente outro produtor pra essa coisa?
– É
claro...
– Se
importa de me dizer quem é?
– Claro
que não. Hal Edleman. Friedman sabe disso.
Zutnick
piscou os olhos. Edleman significava dinheiro. Ele conhecia o nome.
– Eu
li o argumento. Parece muito... cru... pra mim.
– Já
leu outra obra do Sr. Chinaski? – perguntou Jon.
– Não.
Mas minha filha leu. Ela tem o livro de contos dele, Sonhos da
Piscina.
– E?
– Detestou.
Rose
voltava com o novo contrato. Entregou-o a Zutnick. O advogado deu uma
olhada, levantou-se e aproximou-se de Jon.
Jon
releu a coisa toda.
– Muito
bem.
Dirigiu-se
com o documento para a mesa, curvou-se e assinou-o. Zutnick assinou
por Friedman e Fischman. Estava feito. Uma cópia para cada.
Então
Zutnick deu uma risada. Parecia aliviado.
– A
prática da advocacia se torna cada vez mais estranha...
Jon
tirou a Black and Decker da tomada. Zutnick encaminhou-se para um
pequeno armário na parede, abriu-o, pegou uma garrafa e três copos.
Colocou-os sobre a mesa e serviu a todos.
– Ao
acordo, cavalheiros...
– Ao
acordo... – disse Jon.
– Ao
acordo – disse o escritor.
Bebemos.
Era conhaque. E tínhamos o filme de novo.
Acompanhei
Jon até o seu carro. Ele jogou a Black and Decker no banco de trás,
e entrou na frente.
– Jon
– perguntei da calçada –, posso testar você com a grande
pergunta?
– Claro.
– Pode
me dizer a verdade sobre a Black and Decker. Jamais sairá daqui.
Você ia realmente fazer aquilo?
– Mas
é claro...
– Mas
as outras partes depois? Os outros pedaços. Ia fazer isso?
– Claro.
Uma vez que a gente começa uma coisa dessas, não tem como parar.
– Você
tem raça, cara.
– Não
é nada. Agora estou com fome.
– Posso
te pagar um café?
– Bem,
tudo bem... Eu sei do lugar certo... Entre no carro e me siga...
– Tudo
bem.
Segui
Jon de um lado a outro de Hollywood, as luzes e as sombras de Alfred
Hitchcock, o Gordo e o Magro, Clark Gable, Gloria Swanson, Mickey
Mouse e Humphrey Bogart caindo ao nosso redor.
Charles Bukowski, in Hollywood
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