domingo, 22 de outubro de 2023

1520 – Segura de la Frontera

A distribuição da riqueza
Murmura-se e luta-se no acampamento dos espanhóis. Os soldados não têm mais remédio que entregar as barras de ouro salvas do desastre. Quem esconda algo, será enforcado.
As barras provêm das obras dos ourives e dos escultores do México. Antes de converter-se em presa de guerra e fundir-se em lingotes, este ouro foi serpente a ponto de morder, tigre a ponto de saltar, águia a ponto de voar ou punhal que serpenteia e corre como Cortez explica que este ouro não é mais que gotinhas comparado com o que os espera. Retira a quinta parte para o rei, outra quinta parte para ele, mais o que cabe ao seu pai e ao cavalo que morreu, e entrega aos capitães quase todo o resto. Pouco ou nada recebem os soldados, que lamberam este ouro, o morderam, o pesaram na palma da mão, dormiram com ele debaixo da cabeça e contaram a ele seus sonhos de vingança.
Enquanto isso, o ferro em brasa marca a cara dos escravos índios recém-capturados em Tepeaca e Huaquechula.
O ar cheira à carne queimada.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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