Grandes
montanhas chegaram, movendo-se pelo mar, até a costa de Yucatán. O
deus Quetzalcóatl está de volta. Os índios beijam as proas dos
barcos.
O
imperador Montezuma desconfia de sua sombra.
– O
que farei? Onde me esconderei?
Montezuma
quisera converter-se em pedra ou pau. Os bufões da Corte não
conseguem distraí-lo. Quetzalcóatl, o deus barbudo, o que tinha
emprestado a terra e as bonitas canções, veio a exigir o que lhe
pertence.
Nos
antigos tempos, Quetzalcóatl tinha ido para o oriente, depois de
queimar sua casa de ouro e sua casa de coral. Os mais belos pássaros
voaram abrindo-lhe caminho. Faz-se ao mar em uma balsa de serpentes e
se perdeu de vista navegando rumo ao amanhecer. De lá, regressa
agora. O deus barbudo, a serpente emplumada, voltou com fome.
Trepida
o solo. Nos caldeirões, bailam os pássaros enquanto são fervidos.
Ninguém haverá de ficar, havia pressentido o profeta.
Ninguém, ninguém, ninguém de verdade vive na terra.
Montezuma
enviou grandes oferendas de ouro ao deus Quetzalcóatl, capacetes
cheios de pó de ouro, patos de ouro, cães de ouro, tigres de ouro,
colares e varas e arcos e flechas de ouro, mas quanto mais ouro come
o deus, mais ouro deseja; e ansioso avança para Tenochtitlán.
Marcha entre os grandes vulcões e atrás dele vêm outros deuses
barbudos. Das mãos dos invasores brotam trovões que atordoam e
fogos que matam.
– O
que farei? Onde irei me meter?
Montezuma
vive com a cabeça escondida entre as mãos.
Há
dois anos, quando já se haviam multiplicado os presságios do
regresso e da vingança, Montezuma enviou seus magos à gruta de
Huémac, o rei dos mortos. Os magos desceram às profundidades de
Chapultepec, acompanhados por uma comitiva de anões e corcundas, e
entregaram a Huémac, enviada pelo imperador, uma oferenda de peles
de presos recém-pelados. Huémac mandou dizer a Montezuma:
– Não
tenha ilusões. Aqui não há descanso nem alegria.
Ordenou-lhe
um jejum de manjares e dormir sem mulher.
Montezuma
obedeceu. Fez penitência longa. Os eunucos trancaram a pedra e pau
as habitações de suas esposas e os cozinheiros esqueceram seus
pratos preferidos.
Mas
então foi pior. Os corvos da angústia se precipitaram sobre ele.
Montezuma perdeu o amparo de Tlazoltéotl, a deusa do amor que é
também a deusa da merda, a que come nossa porcaria para que o amor
seja possível; e assim a alma do imperador se inundou, em solidão,
de lixo e negrura. Enviou novos mensageiros a Huémac, uma e outra
vez, carregados de súplicas e presentes, até que no fim o rei dos
mortos prometeu-lhe uma audiência.
Na
noite combinada, Montezuma foi ao encontro. A barca deslizou até
Chapultepec. O imperador ia em pé na proa, e a névoa da lagoa abria
caminho a seu radiante penacho de plumas de flamingo.
Pouco
antes de chegar ao pé do morro, Montezuma escutou um rumor de remos.
Uma canoa irrompeu, veloz, e alguém resplandeceu por um instante na
bruma negra, ia despido e solitário na canoa e erguia o remo como
uma lança.
– És
tu, Huémac?
O
da canoa aproximou-se até quase roçá-lo. Olhou os olhos do
imperador, como ninguém pode. Disse a ele: “Covarde”. E
desapareceu.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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