Viver
é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto
jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses
homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado.
Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo. Montante, o
mais supro, mais sério — foi Medeiro Vaz. Que um homem antigo…
Seu Joãozinho Bem-Bem, o mais bravo de todos, ninguém nunca pôde
decifrar como ele por dentro consistia. Joca Ramiro — grande homem
príncipe! — era político. Zé-Bebelo quis ser político, mas teve
e não teve sorte: raposa que demorou. Sô Candelário se endiabrou,
por pensar que estava com doença má. Titão Passos era o pelo prêço
de amigos: só por via deles, de suas mesmas amizades, foi que tão
alto se ajagunçou. Antônio Dó — severo bandido. Mas por metade;
grande maior metade que seja. Andalécio, no fundo, um bom
homem-de-bem, estouvado raivoso em sua toda justiça. Ricardão,
mesmo, queria era ser rico em paz: para isso guerreava. Só o
Hermógenes foi que nasceu formado tigre, e assassim. E o
“Urutú-Branco”? Ah, não me fale. Ah, esse… tristonho levado,
que foi — que era um pobre menino do destino…
Tão
bem, conforme. O senhor ouvia, eu lhe dizia: o ruim com o ruim,
terminam por as espinheiras se quebrar — Deus espera essa gastança.
Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo. Se gasteja. O
senhor rela faca em faca — e afia — que se raspam. Até as pedras
do fundo, uma dá na outra, vão-se arredondinhando lisas, que o
riachinho rola. Por enquanto, que eu penso, tudo quanto há, neste
mundo, é porque se merece e carece. Antesmente preciso. Deus não se
comparece com refe, não arrocha o regulamento. Pra que? Deixa: bobo
com bobo — um dia, algum estala e aprende: esperta. Só que, às
vezes, por mais auxiliar, Deus espalha, no meio, um pingado de
pimenta…
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas
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