Não
existe prazo de validade. Ninguém sabe ao certo quando começa e por
quê. Pode vir acompanhado de um grande trauma ou uma decepção
irrevogável.
O
imbroglio simplesmente aparece e desespera alguns casais. Não
há lei que o impeça.
Foram
alertados na cerimônia religiosa. Sede fecundos, prolíficos,
crescei, multiplicai e enchei a Terra.
“Que
o marido cumpra seu dever em relação à mulher, e igualmente a
mulher em relação ao marido. A mulher não dispõe do seu corpo,
mas sim o marido. Igualmente o marido não dispõe do seu corpo, mas
sim a mulher. Não se recusem um ao outro. Coríntios sete”,
alertou o padre.
No
entanto, para alguns casais, surge uma indisposição noturna: os
corpos não estão dispostos, um recusa o outro. Se a exceção vira
rotina, a crise se instala.
Os
primeiros informados são os amigos mais próximos. Com um
questionamento aparentemente banal, entre o prato e a sobremesa:
“Qual
a frequência para um casamento saudável?”
Depois
do café, ao pedir a conta, vem o desabafo que põe os pingos nos is:
“Nós
não transamos mais.”
Os
amigos sempre partem para a defesa da transparência:
“Vocês
já conversaram sobre isso?”
Sim,
já conversaram, se perguntaram, procuraram explicações, deram até
um Google em busca da cura, estatísticas e palavras de especialistas
tarimbados de revistas online.
Já
conversaram sobre isso antes de dormir, depois de acordar, durante o
café da manhã, o jantar, no Natal, Carnaval, Páscoa, férias.
E
já tentaram fantasias óbvias, como a de se pegarem em espaços
públicos e espaços alternativos — debaixo do chuveiro, na escada
de emergência, dentro do carro.
Já
compraram apetrechos de todos os formatos em sex shops.
Já
se escravizaram, algemando o outro na cama. Já se lambuzaram de mel,
de sorvete. Tentaram outras posições. Chegaram a assistir a vídeos
pornôs, com o pacto de imitarem tudo aquilo que era exibido na tela.
Ambos
queriam solucionar o entrave. Queriam um casamento com sexo
constante. Amavam-se mais do que tudo. Não entendiam por que de
repente não conseguiam se concentrar. Ou por que riam quando deviam
sentir prazer.
Pensaram
até em procurar o padre que os casou. Mas como um homem celibatário,
que segue as palavras de Deus, daria dicas que apimentassem a
relação?
Seguiram
o conselho número dois dos amigos: terapia de casal.
Ele
não levou a sério quando se viu na primeira sessão ao lado da
mulher diante de um cara com sotaque argentino numa mesa de
escritório.
Pois
enquanto ela falava sem parar da relação pai e filha, ele só
pensava em perguntar se realmente o psicanalista acreditava que
Maradona era melhor do que Pelé, ou seria Messi o melhor de todos?
Chegou
a desconfiar que o profissional ria internamente das queixas do
casal, e se dizia:
“Incompetente.
Se fosse jo, com esta guapa…”
Não
voltaram para a segunda sessão, a que começaria a ser paga.
“Casa
de swing”, aconselhou um amigo mais rodado.
Demoraram
semanas para ir. Ouviram experiências alheias. De casamentos que
melhoraram e de outros que acabaram depois de uma visita.
Perguntaram-se
como deviam se comportar. Se seriam apenas espectadores da proposta
inusitada ou se mergulhariam fundo e visitariam todos os ambientes.
Juntos ou separados? E o ciúme?
Foram.
Vestiram
roupão.
Esperaram
na sala principal.
Observaram
casais mais atirados e os contidos, como eles.
Conversaram
com um gerente de banco casado com uma operadora de telemarketing,
piloto e copilota de avião, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, fonoaudiólogas e um síndico. O síndico do condomínio
deles, que agarrou todas as mulheres, bebeu cinco uísques e os
intimidou.
Foram
embora quando um sushiman elogiou as pernas de sua mulher e passou a
analisá-las, como se fossem a tira de um salmão cru.
Riram
muito na saída. Concordaram que casa de swing é mais brochante do
que trepar em quarto de motel com muito botão para ser apertado.
Chegaram em casa, e cada um dormiu no seu canto da cama, como de
costume.
Decidiram
relaxar.
Eles
se amavam.
Não
se importavam com as consequências daquela abstinência que,
esperavam, torciam, seria temporário. Decidiram aproveitar o tempo
de sobra e frequentar cinemas de arte, exposições de vanguarda e
peças de teatro em locais não convencionais.
Jogaram
sinuca, dançaram dança de salão, comeram sanduíche grego, se
embebedaram, se perderam em estradas de terra, participaram de cultos
africanos, se benzeram e nunca foram tão felizes, apesar da falta de
sexo.
Falavam
sobre isso com tranquilidade.
Há
no mundo de hoje uma pressão forte para uma vida sexual intensa e,
por isso, vazia, concluíram. O hedonismo tira o charme de um
casamento, se justificavam, o da cumplicidade sem tamanho.
E
viajaram para fora. Israel, Egito, Madagascar, Tailândia. Visitaram
safáris, casas de massagem, exibições de técnicas de pompoarismo,
daquelas em que se expelem dardos e se furam balões.
Em
Las Vegas, depois de ganharem uns trocos num cassino, entraram numa
casa de peep show. O cardápio oferecido: show com aeromoça,
enfermeira, colegial, sadomasoquista, dona de casa.
Escolheram
o último.
Foram
encaminhados a uma saleta escura.
Enfiaram
uma nota de 50 dólares na máquina.
Abriu-se
a cortina.
O
cenário, do outro lado do espelho falso, era uma cozinha simples.
Apareceu
Susan, uma loirinha que parecia figurante de Baywatch. Que,
animadinha, começou a cozinhar e a rebolar. A tirar a roupa e se
esfregar em colheres de pau, pepinos e cenouras, se lambuzar com
azeite e vinagre.
Até
parar.
Estranhou
o silêncio dos pagantes.
Olhou
pela fresta do espelho.
E
viu um casal se amando loucamente. Como se não se encostassem há
anos. Como se o mundo fosse acabar em segundos. Foi Susan quem
assistiu e se excitou, sem pagar.
Marcelo Rubens Paiva, in As verdades que ela não diz
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