Natureza
será que preparou o quero-quero para o mister de avisar? No
meio-dia, se você estiver fazendo sesta completa, ele interrompe. Se
está o vaqueiro armando laço por perto, em lugar despróprio, ele
bronca. Se está o menino caçando inseto no brejo, ele grita naquele
som arranhado que tem parte com arara. Defende-se como touro. E faz
denúncias como um senador romano.
Quero-quero
tem uma vida obedecida, contudo. Ele cumpre Jesus. Cada dia com sua
tarefa. Tempo de comer é tempo de comer. Tempo de criar, de criar.
É
pássaro mais de amar que de trabalhar.
De
forma que não sobra ócio ao quero-quero para arrumar o ninho. Que
faz em beira de estrada, em parcas depressões de terreno, e mesmo
aproveitando sulcos deixados por cascos de animal.
Gosta
de aproveitar os sulcos da natureza e da vida. Assim, nesses
recalques, se estabelece o quero-quero, já de oveira plena, depois
de amar pelos brejos perdida e avoadoramente.
E
porque muito amou e se ganhou de amar desperdiçadamente, seu lar não
construiu. E vai conceber no chão limpo. No limpo das campinas. Num
pedaço de trampa enluaçada. Ou num aguaçal de estrelas.
Em
tempo de namoro quero-quero é boêmio. Não aprecia galho de árvore
para o idílio. Só conversa no chão. No chão e no largo. Qualquer
depressãozinha é cama. Nem varre o lugar para o amor. Faz que nem
boliviana. Que se jogue a cama na rua na hora do prazer, para que
todos vejam e todos participem. Pra que todos escutem.
Não
usa o silêncio como arte.
Quero-quero
no amor é desbocado. Passarinho de intimidades descobertas. Tem uma
filosofia nua, de vida muito desabotoada e livre.
Depois
de achado o ninho e posto o ovo porém, vira um guerreiro o
quero-quero. Se escuta passo de gente se espeta em guarda. Tem
parenteza com sentinela. Investe de esporão sobre os passantes. E
avisa os semoventes de redores.
Disse
que pula bala. Sei que ninguém o desfolha. Tem misca de carrapato em
sua carne exígua. Debaixo da asa guarda esse ocarino redoleiro pra
de-comer dos filhotes.
De
olhos ardidos, as finas botas vermelhas, não pode ver ninguém perto
do ninho, que se arrepia e – enfeza, como um ferrabrás.
Passarinho
de topete na nuca, esse!
Manoel de Barros, in Meu quintal é maior do que o mundo
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