domingo, 24 de setembro de 2023

Esquecer do brinquedo, viver do trabalho

As crianças já nascem sabendo. Quando elas, através da educação, são transformadas em seres úteis, o Paraíso lhes é roubado: são obrigadas a se esquecer do brinquedo e a viver no mundo do trabalho.
Recuperar a sapientia é lembrar-se da “filosofia” sem palavras que morava no corpo da criança. Nietzsche escrevia a fim de preparar o caminho para a volta da criança. O seu “homem-transbordante” (Übermensch) é uma criança. “Num homem real”, ele dizia, “se esconde uma criança... que deseja brincar...”. Por oposição ao propósito utilitário de transformar as crianças em ferramentas (todo profissional é uma ferramenta), ele dizia: “A maturidade de um homem é encontrar de novo a seriedade que se tinha quando criança, brincando”. A companhia dos homens acadêmicos, sérios e pretensamente úteis, lhe fazia mal. Ele preferia a companhia das crianças.
Gosto de me assentar aqui onde as crianças brincam, ao lado da parede em ruínas, entre os espinhos e as papoulas vermelhas. Para as crianças eu sou ainda um sábio, e também para os espinhos e as papoulas vermelhas.” (Nietzche, in Assim falou Zaratustra).

Rubem Alves, in Variações sobre o prazer

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