“Mãe,
me leva ao dermatologista, estou com umas manchas esquisitas.”
“Claro,
filha.”
“Obrigada.”
Jamais
agradeci a meus pais por me levarem ao médico ou coisa parecida. Na
minha inocência, eu entendia que essas eram coisas que mães e pais
faziam, como parte de sua “obrigação”. Thulane não vê assim.
E acho lindo, talvez ela me enxergue para além do papel de mãe,
talvez conheça a Djamila. Faço questão de lhe dizer quando estou
triste, de falar quem eu sou. Claro que sou filha de dona Erani e não
tolero desrespeito — exerço autoridade, não autoritarismo. Eu não
queria educá-la para ter medo de mim, mas para me respeitar. Estou
aprendendo a ser mais generosa comigo mesma quando erro, procuro não
me cobrar tanto. Faço isso por nós, para romper mais um ciclo
imposto pelas mãos invisíveis.
E
nossa relação é baseada na confiança. Ela me fala dos problemas
na escola, dos meninos que acha interessantes. Um ciclo de silêncio
sobre sexualidade foi quebrado e ela me expõe suas dúvidas
naturalmente (às vezes me assusto em perceber como ela cresceu).
Assim como você, vó, ela adora plantas, embora ainda estejamos
aprendendo como cuidar de todas que temos aqui em casa. Outro dia,
ela ficou aos prantos porque o abacateiro havia morrido.
Thulane
é muito sensível. Eu a confortei, disse que veríamos o que havia
acontecido de errado com o abacateiro e foi preciso fazer um minuto
de silêncio. Pensei em você, vó, que saberia responder o que deu
errado e como nos ensinaria como cuidar melhor dele. Mas tudo bem: a
vida também é feita da falta. Muitas vezes Thulane é dramática,
você sabe, puxou à avó…
Continuo
cuidando das ervas como você me ensinou, dou banho de arruda e guiné
em Thulane depois de esfregar as ervas em seu corpo. Houve um tempo
em que ela se disse ateia. Fingi que aceitei, mas em toda
oportunidade eu a alfinetava: “Aff, se sua bisavó benzedeira
ouvisse isso, você é bisneta de bruxa, minha filha, não adianta
negar”.
Djamila Ribeiro, in Cartas para minha avó
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