Cortez
Crepúsculo
das altas chamas na costa de Veracruz. Onde naus estão ardendo e
ardem os soldados rebeldes pendurados das traves de madeira da nau
capitã. Enquanto abre sua bocarra o mar devorando as fogueiras,
Hernán Cortez, de pé sobre a areia aperta o pomo de sua espada e
descobre a cabeça.
Não
só as naves e os enforcados foram a pique. Já não haverá
regresso; nem mais vida que a que nascida a partir de agora, traga
consigo o ouro e a glória ou o abutre da derrota. Na praia de
Veracruz afundaram os sonhos dos que bem que gostariam de voltar a
Cuba, para dormir a sesta colonial em redes tecidas, envolvidos em
cabeleiras de mulher e fumaça de charuto: o mar conduz ao passado e
à terra, ao perigo. Em lombo de cavalo irão os que puderam pagá-lo,
os demais irão a pé: setecentos homens México adentro, até as
serras e os vulcões e o mistério de Montezuma.
Cortez
ajusta seu chapéu de plumas e dá as costas às chamas. De um galope
chega ao casario indígena de Cempoala, enquanto cai a noite. Não
diz nada à tropa. Logo ficarão sabendo.
Bebe
vinho, sozinho em sua tenda. Talvez pense nos homens que matou sem
confissão ou nas mulheres que penetrou sem boda desde seus dias de
estudante em Salamanca, que tão remotos parecem, ou em seus perdidos
anos de burocrata nas Antilhas, durante o tempo de espera. Talvez
pense no governador Diego Velázquez, que estará tremendo de fúria
em Santiago de Cuba. Com certeza sorri, ao pensar neste dormilão
boboca, cujas ordens nunca mais obedecerá; ou na surpresa que espera
os soldados que está escutando amaldiçoar nas rodas de dados e
baralho do acampamento.
Algo
disso anda em sua cabeça, ou talvez a fascinação e o pânico dos
dias que estão por vir; e então ergue o olhar, a vê na porta e à
contraluz a reconhece. Se chamava Malinali ou Malinche quando o
cacique de Tabasco deu-a de presente a ele. Faz uma semana que se
chama Marina.
Cortez
lhe diz umas quantas palavras enquanto ela, imóvel, espera. Depois,
sem um gesto, a moça desata os cabelos e a roupa. Um redemoinho de
tecidos coloridos cai entre seus pés despidos e ele cala quando o
corpo dela aparece e resplandece.
A
poucos passos dali, o soldado Bernal Díaz del Castillo escreve, à
luz da lua, a crônica da jornada. Usa como mesa um tambor.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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