Os
domingos eram dias amaldiçoados. Íamos à igreja presbiteriana, da
qual era pastor o mesmo missionário que lutara com o demônio para
salvar a alma do Fubina, inutilmente. Era muito chato. Não
entendíamos nada. Não acreditávamos em nada. Minha mãe acreditava
era na Ave-Maria que a Iaiá lhe havia ensinado e que rezava toda
noite antes de dormir. Meu pai, então, era descrente. Acho que nem
acreditava em Deus. Ele sempre contava o caso de um católico lá em
Boa Esperança que não ia à missa e se entregava a episódios de
farra. A pedido da mulher, o padre o repreendia, repreensão que ele
aceitava compungidamente, de cabeça baixa. Mas era só o padre virar
as costas e lá estava ele com a roda de amigos, na venda. E
comentava: “Se Deus ficar com muito enjoamento ele vai acabar
sozinho naquele ceuzinho dele...” . Meu pai pensava igual. Então,
por que era que ele e minha mãe iam à igreja aos domingos, dia tão
bom de se vadiar? Minha mãe contava a história de uma moça que se
casou com um homem de quem não gostava só pra se livrar dele.
Casando, ele pararia de persegui-la com propostas de casamento. Acho
que aconteceu igual com meu pai e minha mãe. Iam à igreja pra se
livrar do reverendo Davis. Porque era certo que, se eles não fossem,
na manhã da segunda-feira o reverendo apareceria para saber as
razões por que não haviam ido à igreja na véspera. Acho que o
reverendo Davis, traumatizado com o caso do Fubina, que fora para o
inferno por não levantar um dedo, tinha medo que o mesmo acontecesse
com meu pai e minha mãe.
Tudo
era falso. Lembro-me de ter visto um diácono, secretário da escola
dominical que, acreditando-se sozinho, deu um murro no rosto do seu
filho, meu colega de escola. Lembro-me da cara de dor que ele fez. E
houve um incidente que me marcou, embora eu não o entendesse na
época. Aconteceu com uma senhora casada aquilo que acontece com
muita gente: ela ficou amando um outro homem. Descuidada e
apaixonada, não tomou as devidas precauções. O boato correu. Todo
mundo ficou sabendo. Todo mundo comentou. Todo mundo acusou. O
marido, homem digno, deixou de ir à igreja com toda a família, por
causa da vergonha. Passadas muitas semanas, num culto de
quarta-feira, ele apareceu. Assentou-se no último banco. Sozinho.
Ninguém o procurou. O marido traído também é culpado. Aí, no
meio do culto, o reverendo Davis anunciou solenemente: “Tenho o
dever de informar a congregação de que a senhora (o nome dela) foi
excluída do rol de membros da nossa igreja por haver transgredido o
sétimo mandamento, não adulterarás”. Ouviu-se um soluço no
fundo da igreja, soluço que mais parecia um grito — e ele saiu
correndo da igreja. Ninguém disse nada. Ninguém fez nada. Todo
mundo ficou petrificado. Meu pai ficou furioso. “E se esse homem,
da profundeza da sua raiva e humilhação, chegar em casa e fizer uma
besteira?” Ninguém percebeu que ela havia transgredido o sétimo
mandamento num momento de amor. E o conselho da igreja a havia
excluído do rol de membros da igreja por desamor. Quem pecou mais?
Assim se comportam os que se julgam puros. Não admira que Jesus os
detestasse de forma especial. “As meretrizes entrarão no Reino
de Deus antes de vós...”
Rubem Alves, in O velho que acordou menino
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