sexta-feira, 21 de julho de 2023

Hollywood | 23


Começara a pré-produção.
Tudo parecia estar indo bem.
Aí o telefone tocou. Era Jon.
Temos problema.
Qual?
Friedman e Fischman...
Sim?
Querem se livrar de meus coprodutores, Tim Ruddy e Lance Edwards...
Conheci o Ruddy, o Edwards, não... Que há?
Esses caras trabalham comigo há muito tempo neste filme. Puseram tempo e dinheiro. Agora Friedman e Fischman querem chutar os dois. Estou sendo pressionado de todos os lados. Todo mundo aceitou ganhar menos. E a Firepower se meteu em encrenca da grossa. O sindicato está investigando eles. A ação tinha chegado a 40, agora caiu pra 4...“Se livre desses caras”, eles me dizem. “Não precisamos deles!” “Mas”, respondo, “eu preciso deles...” “Por que precisa deles?”, perguntam. “Não somos tão bons quanto eles?” “Mas eles estão no contrato”, digo a eles. “Vocês assinaram o contrato.” “Sabe o que é um contrato?” me perguntam. “Um contrato é uma coisa a ser renegociada!”
Nossa...
Esses caras estão apertando e pressionando, apertando e pressionando... E vão apertar e pressionar até não terem mais nada pra apertar e pressionar... Eu já concordei em rodar o filme em 32 dias, em vez de 34... O orçamento já foi reduzido várias vezes... Eles não gostam do meu técnico de som... Não gostam do meu câmera... Querem outros mais baratos. “E você tem de se livrar desses produtores”, me dizem. “Nós não precisamos deles...”
Que é que você vai fazer?
Bem, eu não posso abandonar Tim e Lance... Nós temos um plano. Amanhã, Tim e eu vamos almoçar com um advogado. Esse cara é conhecido em toda Hollywood. Só o nome dele já enche todo mundo de medo. É poder de fato, total. E deve um favor a Tim. Assim, depois do almoço, vamos passar no escritório de Friedman e Fischman, levando o tal advogado com a gente. Agora, seria bom se você também estivesse lá. Você pode?
Claro... A que horas e onde?
O almoço foi no Musso’s. Pegamos uma mesa grande, de canto. Bebemos e almoçamos. Várias pessoas pararam para dar uma palavrinha com o grande advogado. Era verdade, todos morriam de medo dele. O grande advogado era muito delicado e usava um terno bastante caro.
O advogado, Lance e Jon planejaram sua estratégia em relação a Friedman e Fischman. Não prestei muita atenção. O advogado expôs a coisa: você diz isso, eu digo aquilo. Você não diz isso. Deixa comigo.
Advogados, médicos, bombeiros mecânicos, eles é que ficavam com a grana toda. Escritores? Os escritores morriam de fome. Os escritores se suicidavam. Os escritores enlouqueciam.
O almoço acabou e fomos para nossos respectivos carros e nos dirigimos para o grande edifício verde onde Friedman e Fischman estavam à espera. Acertamos nos encontrar na entrada.

A secretária escoltou-nos até o gabinete de Harry Friedman, e quando entramos ele se levantou e já foi dizendo:
Sinto muito, mas a empresa não tem dinheiro e nada se pode fazer. Esses outros produtores têm de ir embora. Não podemos pagar a eles. Não temos dinheiro!
Pegamos cadeiras na sala e nos sentamos.
Jon disse:
Sr. Friedman, eu preciso desses homens, eles são essenciais pra produção.
Friedman permaneceu de pé. Apoiou os nós dos dedos no tampo da mesa.
NINGUÉM É NECESSÁRIO! MENOS AINDA ESSES HOMENS. PRA QUE PRECISAMOS DELES? ME DIGA: PRA QUE PRECISAMOS DELES?
São meus coprodutores, Sr. Friedman...
EU SOU UM PRODUTOR! EU SOU MELHOR QUE ELES! NÃO PRECISO DESSES HOMENS! ESSES HOMENS SÃO SANGUESSUGAS! SANGUESSUGAS!
Abriu-se uma porta atrás de Friedman e apareceu Fischman. Não era tão gordo quanto o outro. Deu uma corridinha em torno da mesa de Friedman. Deslocava-se bem. Enquanto corria em torno da mesa, berrava:
SANGUESSUGAS! SANGUESSUGAS!
Depois voltou correndo pela porta por onde entrara, e que evidentemente levava ao seu gabinete.
Friedman sentou-se atrás de sua mesa. Era evidente que sabia quem era o grande advogado.
Sentou-se atrás de sua mesa e disse em voz baixa:
Não precisamos de ninguém.
O grande advogado pigarreou, e falou:
Por favor, me desculpe, mas existe... um contrato.
Friedman saltou de pé atrás de sua mesa:
VOCÊ CALE A BOCA, SEU ESPERTINHO!
Entro em contato com você – disse o grande advogado.
É. ENTRE EM CONTATO. VÁ EM FRENTE, ENTRE EM CONTATO, SEU ESPERTINHO! VOCÊ PRA MIM NÃO É NADA!
Nós nos levantamos e nos juntamos perto da porta. Sussurraram-se algumas palavras, e então Tim e o grande advogado saíram. Jon disse que precisava conversar mais um pouco com Friedman. Eu fiquei.
Nós nos sentamos.
Não posso pagar esses caras – disse Friedman.
Jon curvou-se para a frente, gesticulou com a mão.
Mas, Harry, você não pode simplesmente pedir a eles que trabalhem pra você... de graça!
EU ADORO quando as pessoas trabalham DE GRAÇA! ADORO!
Mas... isso não é direito... esses homens trabalham há meses! Você têm que pagar alguma coisa!
Tudo bem, dou a eles 15 mil...
Só 30 mil, por todos esses meses de trabalho?
Não, os 15 são para os dois...
Mas isso é impossível...
Nada é impossível... – Olhou para mim: – Quem é esse cara?
É o escritor.
É um cara velho. Não vai viver muito tempo. Corto 10 mil dele...
Não, ele é pago através de mim...
Então eu corto 10 mil de você e você corta 10 mil dele.
Harry, pare com isso, por favor...
Friedman levantou-se de sua mesa e encaminhou-se para um sofá de couro encostado na parede. Jogou-se estendido no sofá. Olhava para o teto. Permaneceu calado. Então me pareceu ouvir um leve soluço. Os olhos de Harry Friedman se umedeciam.
Não temos dinheiro. Não temos dinheiro. Eu não sei o que fazer. Me ajude, me ajude.
Ficou calado por uns bons dois minutos. Jon acendeu um cigarro e esperou.
Então Friedman falou, ainda olhando para o teto.
Isso podia ser chamado de um filme de arte, não podia?
Bem, sim – disse Jon.
Harry Friedman saltou de seu sofá, correu para Jon:
UM FILME DE ARTE! UM FILME DE ARTE! ENTÃO VOCÊ TRABALHARÁ DE GRAÇA!
Jon levantou-se.
Sr. Friedman, preciso ir...
Encaminhamo-nos para a porta.
Jon – disse Friedman –, aqueles sanguessugas têm de ir embora.
Sanguessugas – ouvimo-lo dizer novamente, através da porta.
Dirigimo-nos para o bulevar.

Charles Bukowski, in Hollywood

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