terça-feira, 27 de junho de 2023

Cartas na Rua | 15


Eu estava outra vez de ressaca, uma nova onda de calor assolava a cidade — uma semana com dias beirando os 38 graus. A bebedeira avançava pela noite, todas as noites, e já cedo pelas manhãs e ao longo dos dias lá estava O Stone e a impossibilidade de tudo.
Alguns dos caras usavam chapéus e óculos escuros como se estivessem sob o sol africano, mas eu, eu seguia na mesma, chuva ou sol — roupas esfarrapadas e sapatos tão velhos que os pregos ficavam sempre espetando meus pés. Coloquei pedaços de papelão nos sapatos. Mas isso só ajudou por um tempo — logo os pregos estavam espicaçando meus calcanhares de novo.
O uísque e a cerveja exalavam de mim, jorravam das axilas, e eu ia andando com minha maleta, com esta carga nas costas como uma cruz, sacando revistas, milhares de cartas, cambaleando, derretendo debaixo do sol.
Uma mulher me gritou:
CARTEIRO! CARTEIRO! ESSA CARTA NÃO É DAQUI!
Olhei. Ela estava uma quadra morro abaixo e eu já estava fora do cronograma.
Olhe, dona, ponha a carta do lado de fora. Pegamos amanhã!
NÃO! NÃO! QUERO QUE VOCÊ LEVE ELA AGORA!
Ela sacudia a coisa no ar.
Dona!
VENHA BUSCAR! ELA NÃO É DAQUI!
Ah, meu Deus.
Soltei o malote. Depois peguei meu quepe e o atirei na grama. Rolou até a rua. Deixei-o ali e desci na direção da mulher. Meia quadra.
Desci o resto do caminho e arranquei a carta de sua mão, dei meia-volta e retornei.
Aquilo daria um anúncio! Correio de quarta categoria. Algo como uma liquidação de roupas pela metade do preço.
Apanhei o quepe do chão, enfiei-o na cabeça. Pus o malote de volta sobre o ombro esquerdo, recomecei mais uma vez, 37 graus.
Passei por uma casa e uma mulher correu atrás de mim.
Carteiro! Carteiro! Não tem uma carta para mim?
Dona, se não coloquei uma na sua caixa significa que a senhora não tem correspondências.
Mas sei que o senhor tem uma carta para mim!
O que a leva a acreditar nisso?
Porque minha irmã me telefonou e disse que ia me escrever.
Dona, não tenho nenhuma carta para a senhora.
Sei que tem! Sei que tem! Sei que está aí!
Tentou agarrar um punhado de cartas.
NÃO TOQUE NAS CARTAS DOS CORREIOS DOS ESTADOS UNIDOS, DONA! NÃO HÁ NADA PARA A SENHORA HOJE!
Dei meia-volta e me afastei.
SEI QUE ESTÁ COM MINHA CARTA!
Uma outra mulher parou em sua varanda:
O senhor está atrasado hoje.
Sim, senhora.
Onde está o carteiro regular?
Está com câncer terminal.
Câncer terminal? Harold está morrendo de câncer?
Isso mesmo — eu disse.
Entreguei a correspondência para ela.
CONTAS! CONTAS! CONTAS! — gritou. — É SÓ O QUE TEM PARA ME ENTREGAR? ESSAS CONTAS?
Sim, dona, é só o que venho trazer.
Dei-lhe as costas e segui meu caminho.
Não era minha culpa se gastavam telefone e gás e luz, se compravam todas as coisas a prazo. No entanto, quando eu lhes trazia as contas, gritavam comigo — como se eu tivesse pedido que instalassem um telefone, ou comprassem um aparelho de televisão de 350 dólares sem ter dinheiro para pagar.
A próxima parada era um pequeno prédio de dois andares, bastante novo, de dez ou doze unidades. A fechadura da caixa era na frente, debaixo de uma varanda coberta. Por fim, um pouco de sombra. Enfiei a chave e abri a caixa.
OLÁ, TIO SAM! COMO VAI VOCÊ HOJE?
A voz dele era alta! Não esperava a voz daquele homem atrás de mim. Ele tinha gritado comigo e eu, por estar de ressaca, me punha facilmente nervoso. Levei um susto. Aquilo era demais para mim. Puxei a chave da caixa e me voltei. Tudo o que consegui ver foi uma porta com tela. Havia alguém ali atrás. Protegido pelo ar-condicionado e pela invisibilidade.
Vá se foder! — eu disse. — E não me chame de Tio Sam! Não sou o Tio Sam!
Ah, você é um desses caras malandros, não é? Por dois centavos eu iria até aí cagar você a pau.
Peguei o malote e o joguei no chão. Revistas e cartas voaram para todos os lados. Eu teria de reorganizar toda aquela bagunça. Tirei o quepe e o arremessei contra o cimento.
VENHA ATÉ AQUI, SEU FILHO DA PUTA! PELO AMOR DE DEUS, EU IMPLORO! VENHA ATÉ AQUI! VENHA ATÉ AQUI FORA!
Eu estava pronto para assassiná-lo.
Ninguém saiu. Não havia um som sequer. Olhei pela porta de tela. Nada. Era como se o apartamento estivesse vazio. Por um momento pensei em entrar. Depois dei meia-volta, me ajoelhei e comecei a reorganizar as cartas e revistas. Era um trabalho sem propósito. Vinte minutos depois eu tinha a correspondência organizada. Enfiei algumas cartas na caixa, joguei as revistas na varanda, tranquei a caixa, me virei, olhei para a porta de tela novamente. Ainda não havia som.
Terminei a rota, andando por ali, pensando, bem, ele vai ligar para dizer ao Jonstone que eu o ameacei. Quando eu voltar, é melhor estar preparado para o pior.

Abri a porta com violência e lá estava O Stone em sua mesa, lendo alguma coisa.
Fiquei ali de pé, olhando para ele, esperando.
O Stone me lançou um olhar, depois voltou ao que estava lendo.
Continuei parado, esperando.
O Stone seguia lendo.
Bem — eu disse afinal —, o que está pegando?
Pegando o quê? — O Stone me encarou.
O TELEFONEMA! QUERO SABER TUDO SOBRE O TELEFONEMA! NÃO FIQUE AÍ PARADO!
Que telefonema?
Não recebeu um telefonema reclamando sobre mim?
Telefonema? O que aconteceu? O que você andou aprontando por aí? O que você fez?
Nada.
Me afastei e fui checar minhas coisas.
O cara não tinha telefonado. Nenhum mérito da sua parte. É provável que tenha pensado que eu voltaria lá se ele ligasse.
Passei pelo Stone ao retornar à minha caixa.
O que você andou aprontando aí fora, Chinaski?
Nada.
Minha atitude deixou O Stone tão confuso que ele se esqueceu de me dizer que eu estava trinta minutos atrasado e de anotar uma advertência para mim por isso.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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