Ora,
enquanto eu pensava naquela gente, iam-me as pernas levando, ruas
abaixo, de modo que insensivelmente me achei à porta do hotel
Pharoux. De costume jantava ai; mas, não tendo deliberadamente
andado, nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas, que a
fizeram. Abençoadas pernas! E há quem vos trate com desdém ou
indiferença. Eu mesmo, até então, tinha-vos em má conta,
zangava-me quando vos fatigáveis, quando não podíeis ir além de
certo ponto, e me deixáveis com o desejo a avoaçar, à semelhança
de galinha atada pelos pés.
Aquele
caso, porém, foi um raio de luz. Sim, pernas amigas, vós deixastes
à minha cabeça o trabalho de pensar em Virgília, e dissestes uma à
outra: – Ele precisa comer, são horas de jantar, vamos levá-lo ao
Pharoux; dividamos a consciência dele, uma parte fique lá com a
dama, tomemos nós a outra, para que ele vá direito, não abalroe as
gentes e as carroças, tire o chapéu aos conhecidos, e finalmente
chegue são e salvo ao hotel. E cumpristes à risca o vosso
propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta
página.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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