quarta-feira, 3 de maio de 2023

A Moral | III – Resignação, renúncia, ascetismo e libertação

Quando a ponta do véu de Maia (a ilusão da vida individual) se ergue ante os olhos de um homem, de tal modo que já não faz diferença egoísta entre a sua pessoa e os restantes homens, e toma tanto interesse pelos sofrimentos estranhos como pelos seus próprios, tornando-se assim caritativo até a dedicação, pronto a sacrificar-se pela salvação dos seus semelhantes – esse homem, chegado ao ponto de se reconhecer a si mesmo em todos os seres, considera como seus os sofrimentos infinitos de tudo quanto vive, e apodera-se, dessa maneira, da dor do mundo. Nenhuma miséria lhe é indiferente. Todos os tormentos que vê e tão raramente lhe são dados suavizar, todas as angústias de que ouve falar, mesmo aquelas que lhe é possível conceber, perturbam-lhe o espírito como se fosse ele a vítima.
Insensível às alternativas de bens e de males que se sucedem no seu destino, livre de todo egoísmo, penetra os véus da ilusão individual; tudo quanto vive, tudo quanto sofre, está igualmente junto do seu coração. Imagina o conjunto das coisas, a sua essência, a sua eterna passagem, os esforços vãos, as lutas íntimas e os sofrimentos sem fim; para qualquer lado que se volte, vê o homem que sofre, o animal que sofre, e um mundo que se desvanece eternamente. E une-se tão estreitamente às dores do mundo como o egoísta à sua pessoa. Como poderia ele, com tão grande conhecimento do mundo, afirmar com desejos incessantes a sua vontade de viver, prender-se cada vez mais estreitamente à vida?
O homem seduzido pela ilusão da vida individual, escravo do egoísmo, só vê as coisas que o tocam pessoalmente, e encontra aí motivos incessantemente renovados para desejar e querer; pelo contrário, aquele que penetra a essência das coisas, que domina o conjunto, chega ao repouso de todo desejo e de todo querer. Daí em diante, a sua vontade desvia-se da vida, repele com susto os gozos que a perpetuam. O homem chega então ao estado da renúncia voluntária, da resignação, da tranquilidade verdadeira, e da ausência absoluta de vontade.
Enquanto o mau, entregue pela violência da vontade e dos desejos a tormentos íntimos, contínuos e devoradores, se vê reduzido, quando se lhe esgota o manancial de todos os gozos, a saciar a sede ardente dos desejos no espetáculo das desgraças alheias, o homem penetrado da ideia de renúncia absoluta, seja qual for o seu desenlace, embora privado exteriormente de toda alegria e de todo bem, goza contudo uma aventura completa e um repouso verdadeiramente celeste. Para ele, não existe já o ardor febril, a alegria exuberante, essa alegria precedida e seguida de tantos desgostos, condição inevitável da existência para o homem que tem gosto pela vida; o que ele experimenta é uma paz inabalável, um repouso profundo, uma serenidade íntima, um estado que não podemos ver ou imaginar sem o desejarmos com ardor, porque se nos assemelha o único, justo, infinitamente superior a qualquer outro, um estado para o qual nos convidam e nos chamam o que há de melhor em nós e essa voz íntima que nos brada: sapere aude. Sentimos então que todo desejo realizado, toda felicidade arrancada à miséria do mundo são como a esmola que hoje sustenta o mendigo, para que amanhã morra de fome, enquanto a resignação é como um bem que se herdou, que coloca para sempre o feliz possuidor ao abrigo dos cuidados.
Sabemos que os momentos em que a contemplação das obras de arte nos livra dos desejos ávidos, como se pairássemos acima da atmosfera pesada da terra, são ao mesmo tempo os mais felizes que conhecemos.
Por aqui podemos deduzir a felicidade que deve experimentar o homem cuja vontade se acha apaziguada, não por alguns instantes como no gozo desinteressado do belo, mas para sempre, e se extingue mesmo inteiramente, de modo que só resta a última centelha da luz vacilante, que anima o corpo e se extinguirá com ele. Quando esse homem, após muitos e rudes combates contra o seu próprio temperamento, acaba por triunfar completamente, apenas existe como um ser puramente intelectual, como um espelho do mundo que coisa alguma perturba. Daí em diante nada há que possa causar-lhe angústia, que consiga agitá-lo; porque os mil laços do querer que nos mantêm acorrentados ao mundo e nos atormentam em todos os sentidos com incessantes dores sob a forma de desejo, receio, inveja, cólera, esses mil laços quebra-os ele. Lança um olhar para trás, tranquilo e risonho, às imagens ilusórias deste mundo que puderam um dia agitá-lo e torturar-lhe o coração; olha para elas com tanta indiferença como para o xadrez, depois de finda a partida ou para as máscaras de carnaval que se largaram de manhã e cujas figuras lograram irritar-nos ou perturbar-nos na noite de terça-feira gorda. A vida e todas as formas passam-lhe diante dos olhos como aparição passageira, como um ligeiro sonho matutino para o homem meio desperto, um sonho que a verdade trespassa já com os seus raios e que não consegue nos iludir; e, assim como um sonho, a vida também por fim se desvanece, sem transição brusca.
Se refletirmos sobre como a miséria e os infortúnios são geralmente necessários para a nossa libertação, reconheceremos que deveríamos invejar menos a felicidade do que a desgraça dos nossos semelhantes. É por essa razão que o estoicismo, que afronta o destino, é na verdade para a alma uma espessa couraça contra as dores da existência e ajuda a suportar melhor o presente; mas opõe-se à verdadeira salvação porque torna o coração endurecido. E como poderia o estóico tornar-se melhor pelo sofrimento, se é insensível a ele sob a camada de pedra com que se cobre? – Até um certo grau, esse estoicismo não é muito raro. Muitas vezes não passa de uma pura afetação, de um modo de dissimular o enfado; e quando é real, provém quase sempre da pura insensibilidade, da falta de energia, de vivacidade, de sentimento e de imaginação, necessária para sentir uma dor.
Quem se mata quer a vida, só se queixa das condições sob as quais ela se lhe oferece. Não renuncia portanto à vontade de viver, mas unicamente à vida, de que destrói na sua pessoa um dos fenômenos passageiros… É precisamente porque não pode cessar de querer que cessa de viver, e é suprimindo em si o fenômeno da vida que afirma o seu desejo de viver. Porque era justamente a dor a que se subtrai, que poderia, como mortificação da vontade, conduzi-lo à renúncia e à libertação. Sucede àquele que se mata o mesmo que a um doente que, não tendo a energia precisa para deixar terminar uma operação dolorosa mas salutar, preferisse continuar doente. O sofrimento suportado com coragem permitir-lhe-ia suprimir a vontade; mas subtrair-se ao sofrimento, destruindo no corpo essa manifestação da vontade, de tal modo que ela subsiste sem obstáculos.
Poucos homens, pelo simples conhecimento refletido das coisas, conseguem penetrar a ilusão do principium individuationis, poucos homens possuidores de uma perfeita bondade de alma, de caridade universal, chegam por fim a reconhecer todas as dores do mundo como as suas próprias, para obterem a negação da vontade. Mesmo nos que mais se aproximam desse grau superior, as comodidades pessoais, o encanto fascinador do momento, a visão da esperança, os desejos incessantemente renovados são um eterno obstáculo à renúncia, um eterno incentivo à vontade; donde resulta que personificaram nos demônios infinidade de seduções que nos tentam e atraem.
Tem portanto a nossa vontade que ser quebrada por um imenso sofrimento antes que chegue à renúncia de si própria. Quando ela percorreu todos os graus da angústia, quando após uma suprema resistência toca o abismo do desespero, o homem volta subitamente a si, conhece-se, conhece o mundo, transforma-se-lhe a alma, eleva-se acima de si mesmo e de todo sofrimento; então purificado, santificado de algum modo num repouso, numa felicidade inabalável, numa elevação inacessível, renuncia a todos os objetos dos seus apaixonados desejos, e recebe a morte com alegria. Como um pálido clarão, a negação da vontade de viver, isto é, a libertação, jorra subitamente da chama purificadora da dor.
Os próprios criminosos podem-se purificar por uma enorme dor; transformam-se inteiramente. Os crimes passados deixam de lhes oprimir a consciência; contudo, estão prontos a expiá-los pela morte e vêm de bom grado extinguir-se com eles esse fenômeno passageiro da vontade, que se lhes tem tornado estranho e como um objeto de horror. No tocante episódio de Gretchen, Goethe ofereceu-nos uma pintura incomparável e brilhante dessa negação da vontade causada por um imenso infortúnio e pelo desespero. É um modelo perfeito dessa segunda maneira de atingir a renúncia, a negação da vontade, não pelo puro conhecimento das dores do mundo inteiro, às quais nos identificamos voluntariamente, mas por uma dor esmagadora que nos acabrunhou.Uma grande dor, uma grande desgraça podem nos obrigar a conhecer as contradições da vontade de viver consigo mesmo, e mostrar-nos nitidamente a inutilidade de todos os esforços. É por esse motivo que se têm visto muitas vezes alguns homens, depois de uma existência agitada de paixões tumultuosas, reis, heróis, aventureiros, mudarem subitamente, resignarem-se, arrependerem-se, fazerem-se frades ou anacoretas. É esse o assunto de todas as histórias de conversões autênticas, por exemplo a de Raimundo Lulio: um dia uma mulher que ele amava havia muito marcou-lhe enfim uma entrevista em sua casa, ele entra no quarto, louco de alegria, mas a bela, entreabrindo o vestido, mostrou-lhe um seio corroído por um medonho cancro. Desde esse momento, como se tivesse entrevisto o inferno, converteu-se, abandonou a corte do rei de Maiorca, retirou-se para um deserto, fez penitência.
A conversão de Rancé assemelha-se muito à de Raimundo Lulio. Consagrara a mocidade a todos os prazeres e vivia, por fim, com uma dama de Monbazon. Uma noite, à hora da entrevista, encontra o quarto vazio, escuro, em desordem; tropeça em qualquer coisa, era a cabeça da amante que haviam separado do tronco; morrera subitamente, e não haviam conseguido meter o cadáver no caixão de chumbo colocado ali perto. – Torturado por uma angústia sem limites, Rancé tornou-se, em 1663, o Reformador da Ordem dos Trapistas, então completamente degenerada da sua antiga disciplina; em pouco tempo elevou-a a essa grandeza de renúncia que ainda hoje vemos, a essa negação da vontade, conduzida metodicamente por meio das mais duras privações, a essa vida de austeridade, de trabalhos incríveis que penetra o estrangeiro de um santo horror, quando, entrando no convento, observa ato contínuo a humildade desses verdadeiros frades que, extenuados de jejuns, de vigílias, de orações, de trabalhos, se ajoelha diante dele, filho do mundo e pecador, pedindo-lhe a benção. É entre o povo mais alegre, mais divertido, mais sensual e mais leviano – será preciso nomear a França? – que essa ordem, única entre todas, manteve-se intacta por entre todas as revoluções, e deve-se atribuir a sua duração à seriedade profunda que não se pode deixar de reconhecer no espírito que anima e que exclui qualquer consideração secundária. A decadência da religião não a atingiu, porque as raízes dessa ordem encontram-se nas profundidades da natureza humana, bem mais do que num dogma positivo qualquer.
Desviemos os olhos da nossa própria insuficiência, da mesquinhez dos nossos sentimentos e preconceitos, para os erguermos para aqueles que venceram o mundo, para aqueles em que a vontade, levada ao pleno conhecimento de si própria, se encontrou em todas as coisas e se negou livremente e que esperam que os últimos clarões se apaguem com o corpo que os anima; vemos então, em lugar dessas paixões irresistíveis, dessa atividade sem repouso, em vez dessa passagem incessante do desejo ao receio e da alegria à dor, em vez da esperança que coisa alguma satisfaz e que nunca se sacia e se dissipa, e de que é feito o sonho da vida para o homem subjugado pela vontade – vemos a paz, superior a toda razão, esse grande mar calmo do sentimento, esse sossego profundo, essa segurança inabalável, essa serenidade, cujo único reflexo no rosto, tais como Rafael e Correggio o pintaram, é um completo evangelho no qual nos podemos fiar: só resta o conhecimento; a vontade desapareceu.
O espírito íntimo e o sentido da vida verdadeira e pura do claustro e do ascetismo em geral é nos sentirmos dignos e capazes de uma existência melhor do que a nossa, e querermos fortificar e manter essa convicção pelo desprezo de todos os vãos gozos deste mundo. Espera-se com segurança e calma o fim desta vida livre das ilusões enganadoras, para saudar um dia a hora da morte como a da libertação.
Quietismo, isto é, renúncia a todo desejo; ascetismo, isto é, imolação refletida da vontade egoísta; e misticismo, isto é, consciência da identidade do seu ser com o conjunto das causas e o princípio do universo – três disposições da alma que se ligam estreitamente; quem fizer profissão de uma é atraído para a outra, mau grado seu. – Não há nada mais surpreendente do que ver o acordo de todos aqueles que nos pregaram essas doutrinas, por entre a extrema variedade dos tempos, dos países e das religiões, e nada mais curioso do que a segurança inabalável como o rochedo, a certeza interior com que nos apresentam o resultado da sua experiência íntima.
Não é na verdade o judaísmo com a sua máxima: “Deus viu todas as coisas que havia feito, e estavam muito boas” (Moisés, 1:31), mas o bramanismo e o budismo, que pelo espírito e pela tendência moral se aproximam do cristianismo. O espírito e a tendência moral são o que há de essencial numa religião, e não os mitos com que ela os envolve.
Essa máxima do Antigo Testamento é realmente estranha ao puro cristianismo; porque em todo o Novo Testamento trata-se do mundo como de uma coisa a que se não pertence, que não se ama, de uma coisa que está sob o poder do diabo. Isso concorda com o espírito do ascetismo, de renúncia e de vitória sobre o mundo, esse espírito que junto ao amor ao próximo e ao perdão das injúrias marca o traço fundamental e a estreita afinidade que unem o cristianismo, o bramanismo e o budismo. É no cristianismo principalmente que é necessário sondar bem a fundo as coisas e não se contentar com as aparências.
O protestantismo, eliminado o ascetismo e o celibato, que é o seu ponto capital, atingiu a própria essência do cristianismo, e desse ponto de vista pode ser considerado como uma apostasia. Viu-se bem nos nossos dias quanto o protestantismo degenerou pouco a pouco num vulgar racionalismo, espécie de pelagianismo moderno, que se resume na doutrina de um bom pai criando o mundo para que aí se divirtam muito (no que se teria redondamente enganado); e esse bom pai, sob certas condições, promete também procurar mais tarde aos seus servos fiéis um mundo muito mais belo, cujo único inconveniente é ter uma entrada tão funesta. Isso pode ser certamente uma boa religião para padres protestantes casados e esclarecidos, mas não é esse o cristianismo. O cristianismo é a doutrina que afirma que o homem é profundamente culpado pelo único fato de ter nascido e ensina ao mesmo tempo que o coração deve aspirar à libertação, que só se pode obter à custa de grandes sacrifícios, pela renúncia, pelo aniquilamento de si próprio, isto é, por uma transformação total da natureza humana.
O otimismo não é mais do que uma forma de louvores que a vontade de viver, única e primeira causa do mundo, concede sem razão a si mesma, quando se revê com gosto na sua obra; não é só uma doutrina falsa, é uma doutrina corruptora, porque apresenta a vida como um estado desejável, e dá-lhe como fim a felicidade do homem. Em vista disso, cada um imagina que possui os mais justificados direitos à felicidade e ao gozo; se contudo esses bens, como sucede frequentemente, não lhe são dados em partilha, julga-se vítima de uma injustiça – não lhe falhou o fim da sua existência –, ao passo que é bem mais justo considerar o trabalho, a privação, a miséria e o sofrimento coroado pela morte como o único alvo da nossa vida (assim fazem o bramanismo, o budismo e também o verdadeiro cristianismo), porque todos esses males conduzem à negação da vontade de viver. No Novo Testamento, o mundo é representado como um vale de lágrimas; a vida, como um meio de purificar a alma; e o símbolo do cristianismo é um instrumento de martírio.
A moral dos índios tal como é apresentada do modo mais variado e mais enérgico nos Vedas, nos Puranas, pelos poetas nos mitos e nas lendas dos santos, nas suas sentenças e regras de vida, prescreve expressamente: o amor ao próximo, com absoluto desprendimento de si mesmo, amor não só limitado aos homens mas a todos os seres vivos: a beneficência levada até o abandono do salário cotidiano obtido à custa de duro e pesado trabalho; uma bondade sem limites para com aquele que nos ofende; o bem e o amor em troca do mal que nos façam por maior que seja; o perdão alegre e espontâneo para todas as injúrias; a abstinência de todo alimento animal; uma castidade absoluta e a renúncia a todas as voluptuosidades para aquele que aspira à verdadeira santidade; o desprezo pelas riquezas, o abandono da moradia, da propriedade; uma solidão profunda e absoluta, passada em muda contemplação, junto a um arrependimento voluntário e sofrimentos lentos e horríveis para mortificar absolutamente a vontade, a ponto de morrer de fome; entregar-se aos crocodilos; precipitar-se do cimo de um rochedo do Himalaia, santificado por esse uso; enterrar-se vivo; lançar-se debaixo das rodas do carro gigantesco, que passeia as imagens dos deuses, no meio de cantos, gritos de alegria e danças. E essas prescrições, cuja origem data de mais de quatro mil anos, existem ainda no maior rigor entre esse povo, por muito degenerado que se encontre hoje. Um uso mantido há tanto tempo entre tantos milhões de homens, uma prática que impõe tão pesados sacrifícios, não pode ser a invenção arbitrária de algum cérebro alucinado, deve ter raízes profundas na própria essência da humanidade. – Acrescento que não se pode admirar assaz o acordo, a perfeita unanimidade de sentimentos que se nota, se lermos a vida de um santo ou a de um penitente cristão, e a de um índio. Por meio da variedade da oposição absoluta dos dogmas, dos costumes, dos meios, dos esforços, a vida íntima de um e de outro é idêntica.
Os cristãos místicos e os mestres da filosofia vedanta concordam ainda em considerar como supérfluas as obras exteriores e os exercícios religiosos para aquele que consegue atingir a perfeição.
Tão grande acordo entre povos tão diferentes, numa época muito remota, é uma prova evidente de que não se trata aqui, como declaram os banais otimistas, de uma aberração, de um desequilíbrio do espírito e dos sentidos; pelo contrário, é um lado essencial da natureza humana, um lado admirável que raramente se encontra e que se exprime nesse ascetismo.
Assim considerando a vida dos santos, que sem dúvida raramente nos é dado encontrar e conhecer por experiência própria, mas de quem a arte nos traça a história com uma verdade segura e profunda, devemos dissipar a sombria impressão deste nada, que flutua com o último objetivo atrás de toda a virtude e de toda a santidade, e que tememos, como a criança teme as trevas, em vez de procurarmos escapar como os índios, por meio de mitos e palavras destituídas de sentido, tais como a ressorção no Brama, ou o Nirvana dos budistas. Reconheçamos: o que resta após a supressão total da vontade não é coisa alguma para todos aqueles que estão ainda cheios da vontade de viver, é o nada. Mas também para aqueles nos quais a vontade chegou a desviar-se do seu fito, a negar-se a si mesma o nosso mundo, que nos parece tão real como todos os seus sóis e as suas vias lácteas, o que é? Nada.

Arthur Schopenhauer, in As dores do mundo

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