O
machismo, por ser conservador por natureza, não tem o hábito de
reinventar-se. As expressões “inofensivas” e “bem-humoradas”
que perpetuam a ignorância e a desigualdade são as mesmas há
muitas décadas, reproduzidas até hoje por muitos homens e também
por um número considerável de mulheres. Este é um pequeno
dicionário de expressões machistas – algumas clássicas e
evidentes, outras mais sutis e escorregadias.
A
de Ajudar nas tarefas domésticas
O
machismo gosta muito do verbo “ajudar”. Ajudar é algo moralmente
bem-visto porque não se trata de uma obrigação, só faz quem quer.
Num cenário no qual homem e mulher trabalham fora de casa, o
machismo adora cultivar o verbo “ajudar” em vez de optar pela
democrática (e correta) expressão “fazer a sua parte”, seja na
casa ou no cuidado com os filhos. O ato de ajudar assemelha-se muito
à noção de fazer um favor. E o machismo adorar cobrar favores mais
tarde, com sua tradicional síndrome de autoridade.
B
de Boa coisa não deve ser
O
machismo também aprecia dizer que mulheres que usam roupa curta ou
justa não devem ser boa coisa. Assim como mulheres que nunca se
casaram não devem ser boa coisa. Assim como mulheres que já se
casaram muitas vezes não devem ser boa coisa. Porque para o machismo
não basta considerar-se no direito de julgar uma mulher: é preciso
tratá-la como coisa também.
C
de Casa, comida e roupa lavada
A
expressão “casa, comida e roupa lavada” pertence à mesma
família do “bela, recatada e do lar” e também tem fortes
ligações com a noção de “ajudar em casa”. Casa, comida e
roupa lavada é o patamar mínimo de conforto para o machismo.
Obviamente não é ele quem garante essa tríade, mas sim uma mulher,
seja ela a mãe, a irmã, a cunhada, a esposa, a filha, a nora, a
neta, a sogra ou a empregada. Nunca um homem. Ou pelo menos nunca um
“homem de verdade”, como veremos adiante.
D
de Difícil mesmo é trabalhar com mulher
Como
se sabe, o machismo não é exclusividade dos homens. Mulheres muitas
vezes também protagonizam cenas de machismo. E essa expressão é
uma das que são proferidas por mulheres quase com tanta frequência
quanto por homens, ainda que isso configure uma evidente
autossabotagem. Porque, para o machismo, mulher não tem opinião
forte nem espírito de liderança: mulher dá chilique e é mandona.
Trabalhar com mulher é mesmo uma tarefa muito difícil – mas
apenas quando se pensa dessa forma.
E
de Essa é pra casar
Além
de classificar as mulheres em “boa coisa” ou não, o machismo
também classifica as mulheres em “pra casar” ou “pra pegar”.
Claro que os critérios para essa classificação só envolvem
aparência física, forma de se vestir, desempenho nas tarefas
domésticas e vida sexual pregressa. Ninguém se preocupa se a mulher
“pra casar” é inteligente, bem-humorada ou divertida. Até
porque o machismo acha uma certa graça nessa história de pular
cerca.
F
de Filha minha vai ser freira
Como
veremos adiante, o machismo gosta muito de pronomes possessivos. Uma
das utilizações preferidas dos pronomes possessivos é para a
expressão “filha minha”, seguida de alguma regra intransponível,
sexista e sem cabimento. Porque o machismo também gosta muito de
andar por aí disfarçado de ciúme ou de superproteção. Embora
nenhum dos dois seja boa coisa, eles ainda parecem menos vergonhosos
do que o machismo puro e simples, in natura.
G
de Gorda
Gorda
é uma das palavras preferidas do machismo. O ato de chamar uma
mulher de gorda é uma espécie de auge ideológico. Porque trata-se
de uma prerrogativa que sintetiza o direito de julgar uma mulher, o
direito de classificá-la de acordo com seus interesses, o direito de
olhar para ela apenas pelo viés da estética, o direito de tratar
mulher como objeto e o direito ao desprezo. Os machistas se sentem
muito poderosos ao chamar uma mulher de gorda, não se sabe bem por
quê. Cientistas ainda estudam esse fenômeno.
H
de Homem de verdade
Machistas
não entendem muito (frequentemente não entendem nada) acerca de
homossexualidade, muito menos sobre questões de identidade de
gênero. Machistas gostam muito de dizer que gay, transexual,
travesti e drag queen é tudo a mesma coisa. Há um certo orgulho
nessa ignorância, como se isso reforçasse a masculinidade deles.
Eles resumem tudo na célebre expressão “não é homem de
verdade”, como se “homem” fosse um conceito fechado e “verdade”
fosse um conceito universal. O machismo, sobretudo, tem a certeza de
ser dono da verdade.
I
de Impedimento
O
machismo gosta muito de pensar que os homens são os únicos que
dominam determinados assuntos. Basicamente não se cogita que
mulheres entendam de futebol, mecânica, finanças, lutas e cerveja.
Quando uma mulher dá a entender que manja de futebol, o machismo
infla-se de poder e diz “então me explica o que é um
impedimento”, como se tivessem o direito de testá-las e como se
isso fosse algum desafio para mulheres que acompanham a Champions
League, o Campeonato Pernambucano e a Bundesliga. O machismo
realmente não entendeu nada acerca do século XXI.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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