sábado, 22 de abril de 2023

Negócio de menino

Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia.
Papai me disse que o senhor tem muito passarinho...
Só tenho três.
Tem coleira?
Tenho um coleirinha.
Virado?
Virado.
Muito velho?
Virado há um ano.
Canta?
Uma beleza.
Manso?
Canta no dedo.
O senhor vende?
Vendo.
Quanto?
Dez contos. Pausa. Depois volta: — Só tem coleira?
Tenho um melro e um curió.
É melro mesmo ou é vira?
É quase do tamanho de uma graúna.
Deixa cocar a cabeça?
Claro. Come na mão...
E o curió?
É muito bom curió.
Por quanto o senhor vende?
Dez contos.
Pausa.
Deixa mais barato...
Para você, seis contos.
Com a gaiola?
Sem a gaiola.
Pausa.
E o melro?
O melro eu não vendo.
Como se chama?
Brigitte.
Uai, é fêmea?
Não. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.
Pausa.
O coleira o senhor também deixa por seis contos?
Deixo por oito contos.
Com a gaiola?
Sem a gaiola.
Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro d'água.
E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar: — O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

Rubem Braga, in A traição das elegantes

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