Nessa
noite, sentado à máquina de escrever, servi-me dois drinques, bebi
os dois, fumei três cigarros, ouvi a Terceira de Brahms no rádio, e
então compreendi que precisava de alguma coisa para me ajudar a
mergulhar no argumento. Disquei o número de Pinchot. Ele estava.
– Alô?
– Jon,
é Hank.
– Hank,
como vai?
– Ótimo.
Escuta, eu aceito os dez.
– Mas
você disse que um adiantamento pode atrapalhar seu processo de
criação.
– Mudei
de ideia. Não houve processo de criação.
– Quer
dizer...?
– Quer
dizer que já tenho a coisa na mente, mas ainda não pus no papel.
– Que
tem em mente?
– É
sobre um bêbado. Fica dia e noite sentado num banco de bar.
– Acha
que alguém vai se interessar por um cara desses?
– Escuta,
Jon, se eu fosse me preocupar com o que as pessoas se interessam,
jamais escreveria coisa alguma.
– Tudo
bem. Devo levar o cheque pra você?
– Não.
Basta pôr no correio. Esta noite. Obrigado.
– Obrigado
a você – disse Jon.
Encaminhei-me
para a máquina de escrever e sentei-me. Funcionou imediatamente. Eu
bati:
O
BÊBADO DE ALMA AZUL E AMARELA
EXTERIOR/INTERIOR-DANDY’S
BAR-DIA
A
CÂMERA DÁ UMA PANORÂMICA DE CIMA: PASSA LENTAMENTE pela porta do
bar e chega ao INTERIOR DO BAR.
UM
JOVEM senta-se num tamborete junto ao balcão como se ali estivesse
para toda a eternidade. Ergue o copo…
Eu
mergulhara na coisa. A gente só precisa da primeira linha, depois
tudo vem. Sempre fora assim, só se precisava de alguma coisa para
pôr em andamento.
Aquele
bar me voltou à memória. Lembrei-me de que a gente sentia cheiro do
mictório onde quer que se sentasse. Era preciso um drinque imediato
para combater aquilo. E para ir àquele mictório precisava-se de
mais uns quatro ou cinco. E as pessoas daquele bar, os corpos, os
rostos, as vozes, me voltavam agora. Eu estava lá de novo. Via de
novo o chope naqueles copos finos de colarinho, a espuma branca
olhando pra gente, borbulhando um pouco. O chope era verde, e após o
primeiro gole, cerca de um quarto do copo, a gente inspirava, prendia
a respiração, e estava dada a largada. O garçom da manhã era um
cara bacana. O diálogo surgia e se fazia por si mesmo. Continuei
batendo sem parar...
Então,
o telefone tocou. Interurbano. Meu agente e tradutor da Alemanha,
Karl Vossner. Ele adorava falar como achava que falavam os americanos
incrementados.
– Ei,
seu filho da puta, como vai indo?
– Tudo
bem, Karl, ainda cavalgando seu próprio pau?
– Ééé,
meu teto está coberto de placas de esperma seco.
– Bom
garoto.
– Obrigado,
baby. Aprendo tudo que é bom com você. Mas, baby, tenho boas novas.
Quer ouvir, seu filho da puta?
– Oh,
sim, sim, baby!
– Bem,
além de assobiar Dixie com o cu, traduzi três de seus livros:
poemas: Os Piolhos da Danação; contos: Sonhos da Fossa; e seu
romance, Incêndio na Estação Central.
– Fico
te devendo meu ovo esquerdo, Karl.
– Legal,
mande por via aérea. Mas, baby, tem mais...
– Conta
tudo pra mim.
– Bem,
a gente teve uma feira do livro aqui no mês passado, e eu me
encontrei com os seis maiores editores da Alemanha. E, deixe-me
contar-lhe, eles estão na maior tesão pelo teu corpo.
– Meu
corpo?
– O
corpo da sua obra, você sabe. Sacou?
– Saquei,
baby.
– Pus
os seis grandes editores num quarto de hotel, servi cerveja, vinho,
queijo e castanhas. Depois mandei fazerem lances pelo adiantamento
sobre os três livros. Eles apenas sorriram e atacaram a bebida.
Botei aqueles babacas na palma de sua mão. Contei umas piadas para
relaxar o ambiente, e aí começou o leilão. Bem, pra resumir,
Krumph deu o lance maior. Fiz o filho da puta assinar um contrato.
Aí, tomamos uma juntos. Todos nós babacas enchemos a cara,
especialmente Krumph. Portanto, faturamos essa. Estamos dentro.
– Você
é do caralho, Karl. Qual é minha parte?
– Baby,
deve chegar a uns 35 mil paus. Mando a você por telex dentro de uma
semana.
– Cara,
ó, cara, isso é mesmo do caralho!
– Melhor
do que soprar vidro, seu filho da puta.
– E
como, baby. Escuta, Karl, já ouviu esta? Qual é a diferença entre
o cu de uma galinha e o de um coelho?
– Não
sei, qual é?
– Pergunte
ao Joãozinho.
– Saquei.
É o máximo.
Com
isso, encerrou-se a nossa conversa.
Num
período de uma hora, eu estava 45 mil dólares mais rico. Trinta
anos de fome e rejeição começavam a se mexer.
Voltei
à máquina de escrever, me servi uma grande dose, emborquei, servi
outra. Peguei três quartos de um charuto rançoso, acendi-o. A
Quinta de Shostakovitch tocava no rádio. Bati na máquina:
O
garçom, Luke, curva-se sobre o balcão, olhando o rapaz.
LUKE
Escuta,
você fica dia e noite aí neste lugar. Só faz se sentar aí e mamar
bebida.
RAPAZ
É.
LUKE
Legal,
escuta, não quero ofender você nem nada, mas talvez essa merda não
leve a parte alguma.
RAPAZ
Tá
tudo bem, Luke, não se preocupe comigo. Só sirva.
LUKE
Claro,
garoto. Mas não tem outra parte de você mesmo em algum lugar?
RAPAZ
Ei,
Luke, já ouviu esta? Qual é a diferença entre o cu de uma galinha
e o cu de um coelho?
LUKE
Não
me venha com piadas, cara. Quero saber: não tem outra parte de você
em algum lugar?
RAPAZ
Bem,
merda. Acho que eu estava na sexta série. A professora pediu pra
gente que escrevesse alguma coisa sobre a mais emocionante
experiência que já tinha tido. E não me refiro à mudança pra
Denver.
LUKE
Ééé.
RAPAZ
De
qualquer modo, escrevi sobre uma rã que encontrei no jardim, com uma
das pernas presa numa cerca de arame. Não podia se soltar. Eu tirei
a perna dela da cerca, mas mesmo assim ela não podia se mover.
LUKE
(bocejando)
Ééé?
RAPAZ
Por
isso eu peguei ela no colo e conversei com ela. Disse que eu também
estava preso, que minha vida também tinha ficado presa em alguma
coisa. Conversei com ela durante um longo tempo. Finalmente, a rã
saltou do meu colo e saiu saltando pela grama afora, e desapareceu
num matagal. E eu disse a mim mesmo que ela era a primeira coisa de
que eu já sentira saudade em minha vida.
LUKE
É.
E daí?
RAPAZ
Bem,
eu achei que um dia poderia ser um escritor.
LUKE
(curvando-se para a frente)
Garoto,
você é maluco!
Decidi
que já era muito argumento escrito por uma noite. Fiquei apenas
sentado à máquina de escrever, ouvindo a música do rádio. Não me
lembro de ter ido para a cama. Mas de manhã estava lá.
Charles Bukowski, in Hollywood
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