sexta-feira, 7 de abril de 2023

Crônica social

... perfeito, perfeito, perfeito, o jantar. Poderia ser transportado na íntegra – mesa, comensais sentados nas cadeiras em torno dela, comidas, garçons com bandejas de prata – para outra casa, quiçá outro país, como se diz de obra de arte “que não conhece fronteiras”.
E a consciência de cada conviva de que é de cada um deles que depende a falta de erro, a perfeição? Reunião, algumas finíssimas, é uma reunião em torno de alguma gafe que não é cometida? A tensão do grande jantar, a tensão da perfeição crescendo, a pele do tambor esticando-se. Risco excitante.
Para cada um a gafe própria que não será cometida. Que gafe, afinal? É o eu aparecer de súbito, como não convidado. Cada um é a própria gafe muda sob a delicada conversa. Gafe que sob o sorriso quase de sonho atraí, atraí sádica, perseguidora, estou chegando perto, estou chegando perto, numa sorridente tortura de pesadelo. Porque mais um minuto, mais um instante – e – e o eu acontece.
Depois, entre conhaque, licores e fumaças, a perfeição esticada cada vez mais tênue, cada vez mais tênue, o melhor é voltar depressa para casa e o eu suspirar aliviado. Está cada vez mais tênue. Esporte perigoso esse.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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