– ...
perfeito, perfeito, perfeito, o jantar. Poderia ser transportado na
íntegra – mesa, comensais sentados nas cadeiras em torno dela,
comidas, garçons com bandejas de prata – para outra casa, quiçá
outro país, como se diz de obra de arte “que não conhece
fronteiras”.
E
a consciência de cada conviva de que é de cada um deles que depende
a falta de erro, a perfeição? Reunião, algumas finíssimas, é uma
reunião em torno de alguma gafe que não é cometida? A tensão do
grande jantar, a tensão da perfeição crescendo, a pele do tambor
esticando-se. Risco excitante.
Para
cada um a gafe própria que não será cometida. Que gafe, afinal? É
o eu aparecer de súbito, como não convidado. Cada um é a própria
gafe muda sob a delicada conversa. Gafe que sob o sorriso quase de
sonho atraí, atraí sádica, perseguidora, estou chegando perto,
estou chegando perto, numa sorridente tortura de pesadelo. Porque
mais um minuto, mais um instante – e – e o eu acontece.
Depois,
entre conhaque, licores e fumaças, a perfeição esticada cada vez
mais tênue, cada vez mais tênue, o melhor é voltar depressa para
casa e o eu suspirar aliviado. Está cada vez mais tênue. Esporte
perigoso esse.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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