segunda-feira, 17 de abril de 2023

Cartas na Rua | 10


A estação das chuvas começou. Boa parte do dinheiro era gasta em bebidas, e por isso meus sapatos tinham furos nas solas e minha capa de chuva estava velha e rota. Qualquer chuvarada mais forte e eu me molhava a valer — minhas cuecas e meias ficavam ensopadas. Os carteiros regulares ligavam para dizer que estavam doentes, telefonavam alegando doenças em todos os postos da cidade, de modo que havia trabalho o dia inteiro no Posto de Oakford, a bem da verdade em todos os postos. Até os substitutos ligavam doentes. Não liguei com essa desculpa porque estava muito cansado para pensar numa coisa dessas. Naquela manhã em particular, fui escalado para o Posto Wently. Caía uma dessas tempestades que duram cinco dias, pingos que pareciam uma cortina contínua de água que afoga a cidade, que afoga tudo, os bueiros incapazes de escoar a água com a devida rapidez, a água subindo pelos meios-fios e, em algumas partes, alcançando os gramados e as casas.
Mandaram-me para o Posto Wently.
Disseram que precisavam de um bom homem — disse o Stone, quando eu já enfiava o pé em uma tromba d’água.
A porta se fechou. Se a lata velha pegasse, e pegou, bem, eu seguiria para Wently. De todo modo, isso não faria diferença: se o carro não pegasse, eles o metiam num ônibus. Meus pés já estavam úmidos.
O supervisor de Wently me colocou na frente de uma caixa. Já estava totalmente lotada e comecei a socar mais cartas nela com a ajuda de outro substituto. Nunca tinha visto uma caixa daquele jeito! Devia ser algum tipo de piada de mau gosto. Contei doze pacotes embrulhados na caixa. Aquela caixa devia cobrir metade da cidade. Eu não sabia ainda que a rota era composta só por colinas íngremes. Quem quer que a tenha idealizado é um louco.
Conseguimos levantar o malote e levá-lo para fora e, assim que eu estava para sair, o superior se aproximou e disse:
Não posso ajudá-lo de nenhuma maneira com isso.
Beleza — eu disse.
Beleza uma ova. Mais tarde, descobri que ele era o melhor amigo de Jonstone.
A rota começava no posto. Na primeira das doze rondas, pisei em cheio numa poça d’água e comecei a descer a colina. Era a parte pobre da cidade — pequenas casas e pátios com caixas de correspondência cheias de aranhas, caixas presas apenas com um prego, velhas senhoras dentro das casas enrolando cigarros e mascando fumo, cantando com os lábios fechados para canários sem tirar os olhos de você, um idiota perdido no meio da chuva.
Quando as cuecas se molham elas não param de deslizar, deslizam bunda abaixo, um aro molhado suspenso apenas pelo fundilho das calças. A chuva borrava os endereços em algumas cartas; um cigarro não se mantinha aceso. Você tinha de ficar metendo a mão no malote atrás das revistas. Era só a primeira ronda e eu já estava cansado. Meus sapatos estavam empapados de lama e davam a impressão de serem botas. A cada momento, eu pisava em algo escorregadio e quase caía.
Uma porta se abriu e uma velha fez a pergunta ouvida cem vezes ao dia:
O que houve com o carteiro de sempre?
Dona, POR FAVOR, como é que eu vou saber? Diabos, como posso saber uma coisa dessas? Estou aqui, e ele está em algum outro lugar!
Ah, você é um tipo esquentadinho!
Esquentadinho?
Sim.
Eu ri e pus uma carta inchada pela chuva na sua mão, depois segui em frente. Quem sabe colina acima a coisa esteja melhor, pensei.
Uma outra tia velha, querendo ser bacana, me perguntou:
Você não gostaria de entrar, tomar uma xícara de chá e se secar um pouco?
Dona, a senhora não percebe que não temos tempo sequer para puxar as cuecas?
Puxar as cuecas?
SIM, PUXAR NOSSAS CUECAS! — berrei para ela e sumi dentro da cortina d’água.
Terminei a primeira ronda. Levou cerca de uma hora. Onze rondas mais, isto é, onze horas mais. Impossível, pensei. Devem ter deixado a pior rota de todas para mim já de saída.
Colina acima era pior porque era preciso carregar ainda o próprio peso.
O meio-dia chegou e passou. Sem almoço. Estava na quarta ou quinta ronda. Mesmo num dia seco aquela rota seria impossível. No meu estado, era tão impossível que não conseguia sequer pensar sobre isso.
A certa altura eu estava tão molhado que pensei que iria me afogar. Descobri uma varanda mais ou menos protegida e fiquei ali, tentando dar um jeito de acender um cigarro. Tinha dado umas três tragadas quando ouvi a voz de uma velhinha às minhas costas:
Carteiro! Carteiro!
Sim, dona? — perguntei.
AS SUAS CARTAS ESTÃO SE MOLHANDO!
Olhei para o malote e, de fato, eu tinha deixado a aba de couro aberta. Algumas gotas tinham caído de um buraco no teto da varanda.
Me afastei. Basta, pensei, só um idiota suportaria o que estou passando. Vou encontrar um telefone e dizer a eles que venham pegar as cartas e que enfiem esse emprego no rabo. Jonstone venceu.
No momento em que decidi largar tudo, me senti bem melhor. Através da chuva avistei um prédio ao pé da colina que parecia ter um telefone. Eu estava a meio caminho do topo. Quando desci, vi que se tratava de um pequeno café. Um aquecedor estava ligado lá dentro. Bem, caralho, pensei, posso ao menos me secar. Tirei minha capa de chuva e meu quepe, larguei o malote no chão e pedi uma xícara de café.
Era um café muito escuro. Requentado. O pior café que eu já tomara, mas ao menos estava quente. Bebi três xícaras e fiquei sentado por uma hora, até estar completamente seco. Então olhei para fora: havia parado de chover! Saí e subi a colina, comecei a entregar mais uma vez as cartas. Segui meu próprio ritmo e terminei a rota. Lá pela décima segunda ronda, eu caminhava à luz do crepúsculo. Quando cheguei ao posto já era noite.
A entrada dos carteiros estava fechada.
Bati na porta de ferro.
Um funcionário pequeno e com um ar irritado apareceu e abriu.
Mas que diabo, por que demorou tanto? — gritou para mim.
Fui até a caixa e larguei no chão o malote úmido, cheio de devoluções, cartas com endereços errados, cartas recolhidas. Tirei a minha chave e joguei contra a caixa. Você era obrigado a assinar ao devolver a chave. Não me dei ao trabalho. O outro ainda estava parado ali.
Olhei para ele.
Garoto, se você me disser mais uma palavra, se você der um espirro que seja, que Deus me ajude, pois acabo com sua raça!
O garoto não disse nada. Dei o fora dali.
Na manhã seguinte, fiquei esperando que Jonstone se virasse e me dissesse algo. Ele agia como se nada tivesse acontecido. A chuva tinha parado e nenhum carteiro regular alegou estar doente. O Stone mandou três substitutos para casa, sem pagamento, um deles era eu. Quase senti por ele uma espécie de amor.
Tomei meu rumo e me grudei no rabo quente de Betty.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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