sexta-feira, 31 de março de 2023

O testamento de Adão

1493 – Roma


Na penumbra do Vaticano, cheirando a perfumes do Oriente, o papa dita uma nova bula.
Faz pouco tempo que Rodrigo Borgia, valenciano da aldeia de Xátiva, se chama Alexandre VI. Não passou ainda um ano desde que comprou, à vista, os sete votos que faltavam no Sagrado Colégio e pôde mudar a púrpura de cardeal pelo manto de arminho de Sumo Pontífice.
Mais horas dedica Alexandre VI a calcular o preço das indulgências que a meditar o mistério da Santíssima Trindade. Ninguém ignora que prefere as missas breves, salvo as que em sua alcova privada celebra, mascarado, o bufão Gabriellino, e todo mundo sabe que o novo papa é capaz de desviar a procissão de Corpus para que passe debaixo da varanda de uma mulher bonita.
Também é capaz de cortar o mundo como se fosse um frango: ergue a mão e traça uma fronteira, de cabo a rabo no planeta, através do mar incógnito. O procurador de Deus concede à perpetuidade tudo o que tenha sido descoberto ou se descubra, a oeste dessa linha, a Isabel de Castilha e a Fernando de Aragão e a seus herdeiros no trono espanhol. Encomenda-lhes que às ilhas e terras firmes encontradas ou por encontrar enviem homens bons, temerosos de Deus, doutos, sábios e experientes, para que instruam os naturais na fé católica e lhes ensinem bons modos. À coroa portuguesa pertencerá o que se descubra ao leste.
Angústia e euforia das velas abertas: Colombo já está preparando, na Andaluzia, sua segunda viagem para os rincões onde o ouro cresce em cachos nas parreiras e as pedras preciosas aguardam no crânio dos dragões.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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