Ilustração: Leya Mira Brander
Era
só um garoto. Com pai, mãe, irmão. Mas, quando deu os primeiros
passos, apoiando-se nos móveis da casa, sentiu-se só no mundo.
Precisava dos outros para ir além de si. E tinha medo. Nem muito nem
pouco. Do seu tamanho. Como o uniforme escolar que vestia. No futuro
seria um homem, o medo iria se encolher; ou ele, já grande, não se
ajustaria mais à sua medida. Por hora, estava ali, naquela manhã
fria, indo para a escola, o olhar em névoa, as mãos dentro do bolso
da jaqueta. O que o salvava era a mochila presa às costas. O peso
dos cadernos e dos livros o curvava, obrigando-o a erguer a cabeça,
fazendo-o parecer até um pouco insolente. O que fazer com a sua
condição? Apenas levá-la consigo! Andava às pressas, tentando se
proteger do vento que, na direção contrária, enregelava seu rosto.
Queria aprender urgentemente. Crescer o tornaria maior que o seu
medo. E, sem que soubesse, a lição daquele dia o esperava no
sorriso de Diego, aluno mais velho, que ele nem conhecia ainda —
quase um homem, diriam os pais, a considerar a altura, a penugem do
bigode, os braços rijos. Na ignorância das horas por vir — que
desejava fossem, senão tranquilas, suportáveis —, o menino passou
pelo portão em meio aos outros colegas — vindos também ali para
mover a roda da fortuna, antes de serem moídos por ela —, e seguiu
pelo pátio até a sua sala. A professora, mulher miúda, de fala
doce, o perturbava. Já nas primeiras aulas, percebeu que ela não
era só voz leve e olhar compreensivo. A sua paciência, como giz,
vivia se quebrando. Por que ela agia daquela maneira? Não sabia. O
menino com seu medo, o tempo todo. Na hora da chamada, erguia a mão
e abaixava furtivamente a cabeça, como se a sua presença fosse um
insulto. Se a professora fazia uma pergunta, antes de respondê-la,
escutava a risada de um colega, o sussurro de outro, e então
pressentia que iria falhar, o que de fato acontecia: ele, paralisado,
sem resposta alguma, sob o olhar da classe inteira. Tropeçava no
perigo que ele próprio, e não o mundo, deixava em seu caminho.
Queria não ser daquele jeito. Mas era. Às vezes, entristecia-se até
nas horas de alegria: quando jogava futebol com o irmão e perdia.
Ou, quando, no parque de diversões, se negava a ir na
montanha-russa, no chapéu mexicano. Era tudo o que sonhava.
Experimentar aqueles abismos. Mas não conseguia. Vai, filho!,
a mãe o incentivava. Eu vou com você, o pai prometia. Fitava
o irmão que subia no brinquedo, acenava lá de cima, gritava e se
divertia, enquanto ele se segurava firme no seu medo, inteiramente
fiel. Se vivia inquieto na sala de aula pela certeza de se ver, de
repente, numa situação que o intimidaria, às vezes se esquecia de
seu desconforto, encantado com o universo que a professora lhe abria,
as letras do alfabeto, os desenhos na lousa, um trecho de música que
ela cantava, uma graça que fazia. E aí ele ria, ria com
sinceridade, e, subitamente, se reencontrava, menino-menino. No
intervalo, aquela calma provisória, quando o pátio se inundava de
alunos. Na multidão, ninguém o notava, nada tinha a recear, era a
sua hora macia. E assim foi até aquela manhã. Pegava seu sanduíche,
quando percebeu que um garoto, o maior de todos, se acercava.
Espantou-se, ao dar a primeira mordida no pão e ver o outro à sua
frente — tão desproporcional se comparado aos demais alunos — o
corpo comprido, a voz firme, Eu sou o Diego, e sorrindo, Você
é do primeiro ano, não é? Ele confirmou com a cabeça, para
não responder de boca cheia. E, logo que o outro disse, Eu nunca
te vi aqui!, o menino sentiu que estava diante de um desafio,
como se num quarto escuro, o dedo no interruptor pronto para acender
a luz. Diego o observava com mais fome nos olhos do que na boca,
seguia o movimento de suas mandíbulas, à espera da merecida
mordida. Tá bom o sanduíche?, perguntou, e o menino
respondeu Tá, e quis saber, Você já comeu o seu?, o
que só serviu para alargar a vantagem de Diego, Não, nunca trago
lanche, eu sou pobre. O menino perguntou, Quer um pedaço?,
pensando que o outro se contentaria com a oferta, nem supunha que o
gesto o conduziria mais depressa a seu destino; era uma entrega
superior a que ele imaginava. Diego o mirou, satisfeito, e apanhou o
pão com voracidade. Sentou-se no chão e se pôs a comer em
silêncio, um silêncio faminto que pedia o olhar do mundo — tanto
que o menino, ao seu lado, degustou a cena, orgulhoso por lhe saciar
a fome. Se antes era frágil, casca de ovo, agora ele se sentia
forte. Descobria uma grande vida dentro de si. Porque, antes que
continuassem a conversa, ele sabia: fizera um amigo. E Diego, que
conhecia melhor essa cartilha, levantou-se e disse agradecido, Se
alguém mexer com você, me avise! Com a amizade de Diego, e a
sua força a favorecê-lo, ninguém o afrontaria. Imaginava ter um
trunfo, mas também podia ser um erro. Como adivinhar? Estava lá
para aprender. E aprendeu rápido a lição que Diego lhe deu, na
semana seguinte, ao dizer, Minha mãe tá doente, precisa de
remédio e a gente não tem dinheiro. O menino — para mostrar
que era bom aprendiz — superou a culpa e entregou ao outro, dias
depois, umas cédulas que pegara às escondidas da bolsa da mãe. E
então começou um tempo em que o perigo era a estabilidade que Diego
lhe garantia. Os dois ficavam juntos no intervalo e quase sempre
encontravam-se no fim da aula no portão da escola. O amigo o
acompanhava até a casa, cumprindo a sua parte no pacto, e recebia em
troca o que lhe faltava: o sanduíche, o estojo de lápis coloridos,
os pacotes de figurinhas. Diego sorria. E olhava para ele em silêncio
no momento da paga — como um aluno que desafia o mestre. O coração
do menino batia alto, incapaz de acordar a desconfiança que o
embalava. Diego sorria — e sonhava. Sonhava com uma bicicleta. A
amizade entre eles atingiu o ápice no dia em que Diego se meteu numa
briga, quando outro marmanjo, no intervalo, esbarrou sem querer no
garoto e derrubou-lhe a garrafa de suco. Diego vingou o amigo — e
foi suspenso da escola por uma semana. O menino viu no episódio a
prova de que o outro lhe era plenamente leal. E nem precisou pensar
numa recompensa: Diego a cobrou ao retornar às aulas, dizendo que
precisava de mais dinheiro para as injeções que a mãe, agora,
tinha de tomar. Era a vez do menino, a sua prova. E apesar da
angústia, ele mostrou que sabia tudo de gratidão: manteve-se
aferrado à sua mentira ao ver o irmão de cabeça baixa, a mãe
chorando, o pai de lá para cá à procura do dinheiro que sumira da
carteira. E, então, sentado na soleira da porta de casa, dias
depois, o garoto viu Diego lá no fim da rua, pedalando uma
bicicleta. Diego acenou de longe e, ao se aproximar, abriu um sorriso
para o amigo. Ele se ergueu vacilante, apoiando-se na parede. Agora,
estava mais sozinho do que nunca. E sentiu medo. Muito medo.
João Anzanello Carrascoza, in Aquela água toda
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