quarta-feira, 15 de março de 2023

Hollywood | 5

Quando voltamos, François Racine continuava curvado sobre sua roletinha. Bebera, evidentemente, um bocado de vinho. Tinha o rosto afogueado e um grande monte de fichas à sua frente. Um imenso toco de cinza perigava cair da ponta do charuto. Caiu em cima da mesa.
Ganhei um milhão, quatrocentos e cinquenta mil dólares...
A bolinha parou num número. François arrecadou as fichas:
Já chega... Preciso não ser guloso.
Fomos para a sala da frente e nos sentamos. Jon foi buscar o vinho e os copos.
Que vai fazer com esse dinheirão todo que ganhou? – perguntou Sarah.
Vou dar. Não é nada. A vida é de graça. O dinheiro não é nada.
Dinheiro é como sexo – eu disse. – Parece muito mais importante quando a gente não tem...
Você fala como um escritor – disse François.
Jon voltou. Abriu a primeira garrafa, serviu drinques a todos.
Devia vir a Paris – disse-me. – É bem visto lá. Seu país trata você como um marginal.
Têm hipódromos por lá?
Oh, sim! – disse François.
Ele detesta viajar – disse Sarah – e tem hipódromos aqui...
Nada como em Paris – disse François. – Venha a Paris. Iremos às corridas juntos.
Diabos, eu preciso escrever um argumento.
A gente joga nos cavalinhos, e depois escreve.
Vou pensar no assunto.
Jon acendeu um charuto. Depois François pegou um novo charuto e acendeu-o também. Os charutos eram compridos, redondos, e emitiam chiados na ponta acesa.
Que Deus me guarde – disse Sarah.
François e eu fomos a Las Vegas ontem à noite.
Como se saíram? – perguntou Sarah.
François tomou um largo gole de vinho, chupou seu charuto, soprou uma imensa e mágica coluna de fumaça.
Escutem, escutem só isso. Estou ganhando cinco mil dólares, estou no controle do mundo, seguro o Destino na mão como um isqueiro. Sei Tudo. Sou Tudo. Ninguém me segura. Os continentes tremem. Aí, Jon me bate no ombro. Diz: “Vamos ver Tab Jones”. “Quem é Tab Jones?”, eu pergunto. “Esquece”, ele diz, “vamos lá ver ele...”
François esvaziou seu copo de vinho. Jon tornou a enchê-lo.
Aí passamos pra outra sala. Lá estava o Tab Jones. Ele canta. Tem a camisa aberta, os pelos do peito aparecendo. Pelos suados. Usa uma grande cruz de prata sobre os pelos suados. A boca é um buraco horrível numa panqueca. Usa calças apertadas e um dildo. Agarra os colhões e canta todas as coisas maravilhosas que pode fazer com as mulheres. Na verdade canta mal, quer dizer, é horrível. Tudo que pode fazer com as mulheres, mas é uma farsa, na verdade quer é enfiar a língua no ânus de um homem. Me dá vontade de vomitar, ouvindo o cara. E a gente ainda teve de pagar. E quando a gente paga por um pesadelo, na verdade é um idiota. Quem é esse Tab Jones? Pagam a esse cara milhares de dólares pra usar um dildo, agarrar o saco e fazer as luzes brilharem na cruz. Homens bons morrem de fome nas ruas, e lá está aquele IDIOTA... sendo ADORADO! As mulheres gritam! Elas acham que ele é real! Aquele cara de papelão que come merda quando sonha. Eu digo: “Jon, por favor, vamos sair daqui, minha mente está derrapando, estou ofendido e com vontade de vomitar em meu colo!”. “Espere”, diz ele, “talvez ele melhore.” O cara não melhora, piora, berra mais, a camisa se abre mais, a gente vê o umbigo dele. Uma mulher sentada perto de mim geme e enfia a mão na calcinha. “Madame”, eu pergunto a ela, “perdeu alguma coisa?” O botão do umbigo parece um olho morto, é nojento. Até mesmo um pássaro se sentiria ofendido de deixar seu cocô ali. Então o tal Tab Jones se vira e mostra o traseiro pra gente. Eu posso ver traseiros a qualquer hora, em qualquer lugar, e nem mesmo quero, e ali tenho de pagar DINHEIRO pra ver aquela bunda gorda e mole! Sabe, já tive momentos difíceis, fui espancado pela polícia, por exemplo, de graça. Bem, quase de graça. Mas olhando aquelas nádegas estúpidas me senti pior do que quando a polícia me espancava de graça. “Jon”, eu disse, “temos de sair, senão minha vida se acaba!”
Jon sorriu.
Aí a gente saiu. Eu só queria ver Tab Jones.
François estava agora realmente furioso. Pequenos pontinhos brancos formavam-se nos cantos de sua boca. Salpicos de saliva voavam quando ele falava. A ponta do charuto encharcada.
Tab Jones! QUEM É ESSE TAB JONES? Que me importa esse Tab Jones? Tab Jones é um idiota! Estou ganhando cinco mil paus, e que é que a gente faz? Vai ver Tab Jones! Quem é esse Tab Jones? Não conheço nenhum Tab Jones. Meu irmão não se chama Tab Jones! Nem mesmo minha mãe! Esse Tab Jones é um idiota!
Aí – disse Jon – nós voltamos pra roleta.
É – disse François –, estou ganhando cinco mil dólares e vimos o dildo morto cantar. Quebrou minha concentração. Quem é esse Tab Jones? Já vi caras melhores catando cocô de gaivota! Onde estou? A roda gira, mas é uma estranha! Pareço um bebê jogado num barril de tarântulas! Que significam esses números? Que significam essas cores? A bolinha branca salta e se crava em meu coração, comendo de dentro pra fora. Não tenho chance. Minha concentração se quebrou! Dildos desfilam, com idiotas pedindo bis! Estou tonto! Mergulho de cabeça com um monte de fichas. Já vejo minha caveira no horrível caixão. Quem é esse Tab Jones? Perco. Não sei onde estou. Uma vez que se quebra a concentração, assim que a gente começa a cair, não tem mais retorno. Sabendo que não tinha chance, joguei todas as fichas. Fiz todas as jogadas erradas, como se o inimigo tivesse tomado meu corpo e minha mente. E por quê? POR QUE TÍNHAMOS IDO VER TAB JONES? Eu pergunto a vocês: QUEM É ESSA PORRA DESSE TAB JONES?
François acabara, exausto. O charuto caiu da boca. Sarah pegou-o e o pôs num cinzeiro. François pegou imediatamente um novo no bolso da camisa, retirou-o do tubo prateado, lambeu e aparou, rolou, enfiou na boca, refez-se e acendeu-o com um belo floreio. Estendeu a mão para a garrafa, serviu a todos, empertigou-se e sorriu.
Merda, eu provavelmente teria perdido de qualquer jeito. Um jogador que não tem uma desculpa não pode continuar sendo um jogador.
Você fala como um escritor – eu disse.
Se eu soubesse escrever como um, escreveria esse argumento pra você.
Muito obrigado.
Quanto ele está te pagando?
Eu fiz um movimento no ar com a mão: resposta nebulosa.
Eu escrevo pra você e a gente racha no meio, certo?
Legal.
Não – disse Jon –, eu vou ver a diferença.
Tudo bem, então – disse François –, Tab Jones escreve com o dildo.
Todos concordamos com isso, erguemos nossos copos num brinde. Era o início de uma boa noite.

Charles Bukowski, in Hollywood

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