Estão
os ares doces e suaves, como na primavera de Sevilha, e parece o mar
um rio Guadalquivir, mas nem bem sobe a maré e se mareiam e vomitam,
apinhados nos castelos de proa, os homens que sulcam, em três
barquinhos remendados, o mar incógnito. Mar sem moldura. Homens,
gotinhas ao vento. E se o mar não os amasse? Cai a noite sobre as
caravelas. Onde os arrojará o vento? Salta a bordo um dourado, que
vinha perseguindo um peixe-voador, e se multiplica o pânico. Não
sente a marujada o saboroso aroma do mar um pouco picado, nem escuta
a algazarra das gaivotas e dos alcatrazes que vêm do poente. No
horizonte, começa o abismo? No horizonte, acaba o mar?
Olhos
febris de marinheiros curtidos em mil viagens, ardentes olhos de
presos arrancados dos cárceres da Andaluzia e embarcados à força:
não veem os olhos esses reflexos anunciadores de ouro e prata na
espuma das ondas, nem os pássaros de campo e rio que voam sem cessar
sobre as naus, nem os juncos verdes e as ramagens forradas de
caracóis que derivam atravessando o mangue. No fundo do abismo, arde
o inferno? A que feras arrojarão os ventos alísios esses
homenzinhos? Eles olham as estrelas, buscando Deus, mas o céu é tão
inescrutável como este mar jamais navegado. Escutam que ruge o mar,
la mare, mãe-mar, rouca voz que responde ao vento frases de
condenação eterna, tambores do mistério soando lá das
profundidades: se persignam e querem rezar e balbuciam: “Esta noite
caímos do mundo, esta noite caímos do mundo”.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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