Essa primavera era bem seca, e o rádio estalava captando sua estática, a roupa se eriçava ao largar a eletricidade do corpo, o pente levantava os cabelos imantados, era uma dura primavera. E muito vazia. De qualquer ponto em que se estava, partia-se para o longe: nunca se viu tanto caminho. Falava-se pouco; o corpo pesava como seu sono; os olhos estavam grandes e inexpressivos. No terraço estava o peixe no aquário, tomamos refresco olhando para o campo. Com o vento, vem do campo o sonho das cabras. Na outra mesa do terraço, um fauno solitário. Olhamos o copo de refresco e sonhamos estáticos dentro do copo. “O que é que você disse?” “Eu não disse nada.” Passavam-se dias e mais dias. Mas bastava um instante de sintonização e de novo captava-se a estática farpada da primavera: o sonho imprudente das cabras, o peixe todo vazio, uma súbita tendência ao roubo de frutas, o fauno coroado em saltos solitários. “O quê?” “Nada, eu não disse nada.” Mas eu percebia um primeiro rumor, como um coração batendo embaixo da terra. Quieta, colava meu ouvido na terra e ouvia o verão abrir caminho por dentro, e meu coração embaixo da terra, oh nada! eu não disse nada! – e sentia a paciente brutalidade com que a terra fechada se abria por dentro em parto, e sabia com que peso de doçura o verão amadureceria 100 mil laranjas, e sabia que as laranjas eram minhas – só porque eu assim queria.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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