“Morri”
na noite de 22 de Dezembro de 2007, às quatro horas da madrugada,
para “ressuscitar” só nove horas depois. Um colapso orgânico
total, uma paragem das funções do corpo, levaram-me ao último
limiar da vida, lá onde já é tarde de mais para despedidas. Não
recordo nada. Pilar estava ali, estava também María, minha cunhada,
uma e outra diante de um corpo inerte, abandonado de todas as forças
e donde o espírito parecia ter-se ausentado, que mais tinha já de
irremediável cadáver que de ser vivente. São elas que me contam
hoje o que foram aquelas horas. Ana, a minha neta, chegou na tarde do
mesmo dia, Violante no seguinte. O pai e avô ainda era como a pálida
chama de uma vela que ameaçasse extinguir-se ao sopro da sua própria
respiração. Soube depois que o meu corpo seria exposto na
biblioteca, rodeado de livros e, digamo-lo assim, outras flores.
Escapei. Um ano de recuperação, lenta, lentíssima como me avisaram
os médicos que teria de ser, devolveu-me a saúde, a energia, a
agilidade do pensamento, devolveu-me também esse remédio universal
que é o trabalho. Em direcção, não à morte, mas à vida, fiz a
minha própria “Viagem do Elefante”, e aqui estou. Para vos
servir.
José Saramago, in O caderno
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