“Onde
você estava?”, perguntou o marido.
“O
que é isso, controle?”
“Curiosidade.”
“Na
terapia.”
“Na
onde?”
“Tá
duvidando?”
“E
desde quando você faz terapia?”
“Desde
hoje”, ela respondeu e começou a andar pela casa, como se não
quisesse alongar a conversa.
“Que
terapeuta?”
“Você
não conhece.”
“E
como você conheceu?”
“Uma
amiga indicou.”
“Que
amiga?”
“Você
também não conhece.”
Claro.
O único terapeuta que ele conhecia era de cães, com quem jogava
tênis no clube.
Amigas
que indicam terapeutas são sempre aquelas que os maridos não
conhecem. As intrusas que, numa conversa de banheiro, em vez de
enumerarem as novidades da indústria cosmética, sugerem terapias.
Por
que têm que se meter em algo que, acreditam os maridos, pode e deve
ser resolvido na intimidade do lar? Deveriam indicar um restaurante
novo, um filme genial, um livro irresistível, uma sex shop só de
produtos de grife.
“Quando
você começou a pensar em fazer terapia?”
“Depois
das férias.”
“Depois
daquela viagem paradisíaca em que acampamos na praia mais limpa e
deserta no raio de 200 quilômetros, em que não choveu um dia,
comemos peixes pescados na hora, não ficamos gripados, nem fomos
atacados por borrachudos, bichos geográficos, águas-vivas,
piranhas?!”
“Não
existem piranhas no mar.”
“Não
mude de assunto.”
Ela
entrou no banheiro. Trancou. Ligou o chuveiro. Ele continuou, através
da porta:
“Por
quê?”
“Achei
uma ideia interessante”, ela disse e entrou no chuveiro.
Terapia
não é para deprimidos, melancólicos, esquizofrênicos, paranoicos,
insones, ansiosos, viciados, alcoólatras, dependentes químicos?
Não.
É também para quem acha… interessante. E pode ser indicada por
uma desconhecida num papinho em frente a um espelho de banheiro.
“Por
que você não me disse antes?”, perguntou assim que ela saiu
enrolada numa toalha.
“Porque
você está sempre ocupado, nunca repara nos meus problemas.”
“Foi
por isso que você foi fazer terapia?”
“É,
pode ser, não tinha pensado. Será que preciso resolver isso?”
“Resolver
o quê?”
“Levar
isso.”
“Pra
onde?”
“Para
o meu terapeuta.”
“Seu
terapeuta? Conheceu o cara hoje e já considera seu?!”
Então,
tudo mudou no casamento que, acreditava ele, seguia pelo caminho
seguro da maturidade, do consenso, dos conflitos tolos e do número
de relações sexuais de acordo com as estatísticas da última
Vogue.
Relação
nada conturbada, comparada com outras ao redor.
“Será
que preciso resolver isso?” passou a ser o argumento que encerrava
toda discussão ou questionamento, até os mais simples, como por que
ela preferia pizza de massa fina, filme dublado, sorvete de frutas,
shoyu na salada, se vestir de preto, dormir de lado, caipirinha de
saquê, carne malpassada, ler com uma lapiseira na mão, começar as
revistas pelo fim e os jornais pelo caderno cultural.
Não
teve jeito. Um terapeuta entrou na vida do casal. E quantas vezes ele
se pegou imaginando o que conversavam, quais eram as queixas e, pior,
o que ele sugeria.
Será
que o desgraçado coloca minhocas na cabeça dela, sugere aventuras
extraconjugais, realizações de sonhos secretos? Será que ela conta
detalhes íntimos, faz comparações com outros homens? Será que
arrumou um confidente, com quem ridiculariza as fraquezas inerentes a
todos os maridos?
“Que
linha ele segue?”, perguntou um dia na fila do cinema.
“Quem,
meu terapeuta?”
“Quem
poderia ser?”
“Ah,
sei lá…”
Sei
lá?!
Não
existem mais linhas?
Seria
psicanálise?
Usa
divã?
Estão
associando os sonhos à relação dela com os pais?
Freudiana,
junguiana, lacaniana?
“Acho
que é uma linha que ele mesmo criou”, foi a resposta que só
piorou o tormento.
Ele
confiava nas correntes mais tradiças da psicanálise, por anos e
anos postas em prática, pouco empíricas, mas muito pesquisadas,
debatidas, cujos arquétipos praticamente viraram senso comum. Mas
uma nova linha?!
“Ah,
é uma terapia alternativa?”, perguntou quando se apagaram as luzes
do cinema.
“Pode-se
dizer que sim.”
“Por
quê?”
“Eu
precisava resolver umas questões pessoais.”
“Que
questões?!”
“Coisas
minhas.”
“E
como é? Só você fala, ele anota, ficam frente a frente, dura uma
hora, analisam sonhos, você fala de mim?”
“Cala
a boca!”, gritou o idiota da fileira de trás, já que começara o
filme.
Ele
passou o filme todo se perguntando que questões seriam essas e o
quanto ele era responsável pela novidade.
Será
que ela era infeliz no casamento?
Será
que tinha outro e precisava debater com um especialista?
Será
que tinha outra?
Será
que ela vai se apaixonar pelo terapeuta?
Decidiu,
angustiado por tantas perguntas, que não deveria se meter.
Relaxa.
Muita gente faz terapia. Vamos ver, de repente, ela fica mais feliz,
realizada, mais bonita, mais tarada. Esperar. Ver no que vai dar.
Afinal, é apenas uma terapia.
Pense
no pior: ela poderia entrar para uma seita amazônica ou um grupo de
teatro alternativo, ou um movimento de extrema-direita, ou um
fã-clube de uma banda heavy metal.
Será
que ela estava pensando em se separar?!
Claro!
Mulheres
fazem terapia antes do divórcio, para ter certeza.
“Gostou
do filme?”, ela perguntou no estacionamento.
“Não
sei. E você?”
“Preciso
discutir com o meu terapeuta.”
“Boa.
Será ético você me contar se ele gostou?”
“Não
sei. Por que você não faz terapia também? Aí, terá com quem
conversar.”
Entraram
no carro. Ela olhou pelo espelhinho, retocou a maquiagem, ajeitou os
cabelos. Um novo brilho nos olhos. Uma voz macia, diferente. Está
tão mais… sexy.
Que
merda.
Ela
já está apaixonada pelo cara, ele desconfiou. OK, vou fazer terapia
também. Quem sabe o desgraçado não me indica uma terapeuta? Uma
bem gostosa.
Marcelo Rubens Paiva, in As verdades que ela não diz
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