O
cômico americano Lenny Bruce tinha um monólogo sobre pornografia e
hipocrisia envolvendo os usos do travesseiro. Qualquer criança
americana podia ver no cinema ou na TV um travesseiro sendo usado
para sufocar alguém até a morte. Terror mesmo era quando o
travesseiro aparecia numa cena como a que Bruce descrevia
dramaticamente. Um homem aproxima-se de uma mulher deitada na cama,
segurando um travesseiro. O que vai fazer com o travesseiro?
A
mulher está sorrindo. Parece não saber o fim que a espera. O homem
aproxima-se mais. Também está sorrindo. Ajoelha-se na cama. Levanta
o corpo da mulher e... Meu Deus! Coloca o travesseiro sob o corpo da
mulher! E começa a penetrá-la! A mulher geme, mas não é de dor.
Em vez de usar o travesseiro para um fim socialmente aceitável como
matar a mulher, o homem o está usando para aumentar seu prazer. Os
dois estão se amando! Tirem as crianças da sala!
Não
tem nada a ver, mas sempre penso no travesseiro do Lenny Bruce quando
vejo fotos de vítimas de alguma atrocidade em que seus corpos nus
aparecem com os órgãos genitais artificialmente tapados. A intenção
editorial pode ser nobre, a de poupar o massacrado da indignidade
adicional da exposição pública. Mas há algo de insólito, de
tragicamente cômico, neste pudor seletivo. E como se, numa cena que
não nos poupa nada da selvageria da nossa espécie, num quadro de
degradação humana completa — seja o de um linchado na África ou
de chacinados numa prisão aqui perto —, selecionassem um ponto de
resistência e respeito aos sentimentos, e esse ponto fosse
justamente o recato sexual, para não chocar ninguém. As crianças
podem saber do terror do mundo como ele é, desde que não vejam o
pipi.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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