Lembro
bem. A primeira vez que isso aconteceu comigo foi na nave da
Notre-Dame, chegando perto da rosácea. O japonês me confundiu com a
mulher dele. Também, pudera, a esposa nipônica era parecidíssima
comigo: eu sou loira, ela era morena, eu tenho 1,71m, ela deveria ter
1,55m, eu peso 60kg e ela algo em torno de 44kg, eu estava de branco
e ela de verde-musgo, e ela esbanjava aquela malemolência brasileira
para caminhar, assim como eu.
Eu
estava lá admirando a arquitetura gótica quando o homem pequenino
colocou a mão no meu ombro e continuou olhando para cima,
deslumbrado com a imponência da igreja. Fiquei um pouco
desconcertada. Achei melhor avisar. Planejava um “Sorry but I
think that...” quando cutuquei levemente a mão do homenzinho.
Ainda bem que arrependimento não mata. O pobre do asiático quase
enfartou: virou a cabeça na minha direção e olhou para mim com um
pavor que fez com que eu me sentisse mais assustadora do que o Zé do
Caixão e o Pedro de Lara juntos. O pânico tomou conta do seu rosto,
os olhos pequeninos arregalaram-se, a boca ficou torta e ele saiu
numa disparada que deve ter terminado no altar da Capela Sistina.
Pois
bem. Dez anos depois, a cena se repete. Estava caminhando pelo centro
comercial Colombo, em Lisboa, quando um daqueles homens alaranjados
com 2m de altura – que podem ser noruegueses, suecos ou finlandeses
– aproximou-se pelas minhas costas. Aquele homem também decidiu
que eu era sua esposa naquela tarde. Sejamos justos, dessa vez com um
pouco mais de razão, em virtude da altura e da cor do cabelo.
Ocorre
que seu porte físico não lembrava nem de longe aquela coisinha
delicada que era o japonês da Notre-Dame. Despencou, então, em cima
do meu ombro, uma mão de 30cm de diâmetro e cerca de 7,5kg ao mesmo
tempo em que o homem berrou QUÃÃÃRTIGÃRIGÃRIGÃRI na minha
orelha esquerda. O meu susto foi tão grande que dei um tapão na mão
do indivíduo, enquanto gritava SAAAAAAAI e acelerava passos para a
frente.
Não
sei se eu me assustei mais com ele ou ele comigo. O coitado do boneco
de Olinda viking ainda tentou balbuciar um pedido de desculpas em
norueguês/sueco/finlandês. Eu não quis nem saber e segui correndo.
Depois de abrir uma distância de segurança, respirei aliviada e
tentei reconhecer aquele lugar onde eu fui parar. Era a Capela
Sistina. No segundo banco à esquerda estava o japonês, já quase
recuperado do incidente de maio de 2006.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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