Acho
que eu tinha uns vinte e oito anos naquela época. Não estava
trabalhando, mas tinha algum dinheiro porque dera sorte nas corridas
– finalmente. Eram umas nove horas da noite. Eu estivera bebendo em
meu quarto alugado há umas duas horas. Fiquei chateado, saí e
comecei a descer a rua. Cheguei a um bar defronte do que eu
frequentava, e por algum motivo entrei. Era bem mais limpo e vistoso
que o meu bar de sempre, e eu pensei: bem, talvez eu dê sorte de
arranjar um rabo de classe.
Sentei-me
perto da entrada, a uns dois banquinhos de distância de uma garota.
Ela estava sozinha e havia mais quatro ou cinco pessoas, homens e
mulheres, na outra ponta do balcão. O garçom estava lá conversando
com elas e rindo. Devo ter ficado ali sentado uns três ou quatro
minutos. O garçom simplesmente continuou conversando e rindo. Eu
detestava esses babacas, bebiam tudo que queriam, recebiam gorjetas,
pegavam mulher, conquistavam admiração, conseguiam tudo que
queriam.
Saquei
um maço de cigarros. Tirei um. Não tinha fósforos. No balcão
também não. Olhei para a dona.
– Perdão,
tem fósforos?
Irritada,
ela enfiou a mão na bolsa. Tirou uma caixa e, sem me olhar, jogou-a
no balcão.
– Fique
com ela – disse.
Tinha
cabelos longos e um belo corpo. Usava um casaco e um chapeuzinho de
peles. Vi-a jogar a cabeça para trás depois de chupar seu cigarro.
Soltou a fumaça como se realmente soubesse da porra de alguma coisa.
Essas são do tipo em que a gente gostaria de dar umas cintadas.
O
garçom continuou a me ignorar.
Peguei
um cinzeiro, segurei-o uns dois palmos acima do balcão e deixei-o
cair. Isso chamou a atenção dele. Ele se aproximou, pisando nas
tábuas. Era grandão, talvez um metro e noventa e cinco, cento e
trinta quilos. Um pouco de gordura na barriga, mas ombros largos,
cabeça grande, mãos grandes. Era bonitão, de um tipo burro, uma
bêbada mecha de cabelo caindo sobre um olho.
– Um
Cutty Sark duplo com gelo – eu disse.
– Foi
bom não ter quebrado esse cinzeiro – ele disse.
– Foi
bom você ter ouvido – respondi.
As
tábuas rangeram e gemeram quando ele voltou para preparar a bebida.
– Espero
que ele não me prepare um Mickey– eu disse à garota de mink
falso.
– Jimmy
é legal – ela disse. – Não faz essas coisas.
– Nunca
encontrei um cara legal chamado “Jimmy” – eu disse.
Jimmy
retornou com minha bebida. Peguei minha carteira e joguei uma nota de
cinquenta dólares no balcão. Jimmy pegou-a, ergueu-a contra a luz e
disse:
– Merda!
– Que
é que há, rapaz? – perguntei. – Nunca viu uma nota de cinquenta
dólares antes?
Ele
tornou a percorrer as tábuas. Tomei um gole de minha bebida. Era um
duplo, sem dúvida.
– Os
caras agem como se nunca tivessem visto uma nota de cinquenta dólares
– eu disse à garota de chapéu de pele. – Eu só ando com notas
de cinquenta.
– Você
é cheio de merda – ela disse.
– Não,
não sou – eu disse. – Dei uma cagada há uns vinte minutos.
– Grande
coisa...
– Posso
lhe comprar qualquer coisa.
– Não
está à venda – ela disse.
– Que
é que há? Está com cadeado? Se está, não se preocupe, ninguém
vai pedir a chave.
Tomei
outro gole.
– Quer
beber? – perguntei.
– Só
bebo com pessoas de quem gosto – ela disse.
– Ora,
você é que é cheia de merda – eu disse.
Onde
está o garçom com meu troco, pensei. Está demorando muito...
Já
ia deixar o cinzeiro cair de novo quando ele voltou, estalando a
madeira com seus pés de chumbo.
Pôs
o troco no balcão. Olhei-o, quando ele começou a se afastar.
– EI!
– berrei.
Ele
voltou.
– Que
foi?
– Isso
é troco de dez. Eu lhe dei cinquenta dólares.
– Você
me deu dez...
Eu
me voltei para a garota.
– Escuta,
você viu, não viu? Eu dei cinquenta dólares a ele!
– Você
deu a Jimmy uma nota de dez – ela disse.
– Que
porra é essa? – perguntei.
Jimmy
começou a afastar-se.
– Você
não vai se safar assim! – eu berrei.
Ele
continuou andando. Voltou para a turma na ponta do balcão e todos se
puseram a falar e a rir.
Fiquei
ali sentado, pensando. A garota perto de mim soprou uma pluma de fumo
das narinas, a cabeça jogada para trás.
Pensei
em espatifar o espelho atrás do balcão. Tinha feito isso em outro
lugar. Mas hesitava.
Estava
perdendo?
Aquele
filho da puta tinha me desmoralizado, com todo mundo olhando.
A
calma dele me preocupava mais que o seu tamanho. Tinha alguma coisa
mais em sua vantagem. Uma arma embaixo do balcão? Queria que eu
fizesse o jogo dele. As testemunhas seriam dele...
Eu
não sabia o que fazer. Havia uma cabine telefônica perto da saída.
Levantei-me, fui até lá, entrei, pus uma moeda, disquei um número
ao acaso. Ia fingir que estava chamando meus cupinchas, que eles iam
vir e estourar o bar. Fiquei ouvindo o número tocar do outro lado da
linha. Parou. Atendeu uma mulher.
– Alô
– ela disse.
– Sou
eu – eu disse.
– É
você, Sam?
– É,
é, escuta...
– Sam,
aconteceu uma coisa terrível hoje! Wooly foi atropelado!
– Wooly?
– Nosso
cachorro, Sam! Está morto!
– Agora
escuta. Estou no Olho Vermelho! Sabe onde fica? Ótimo! Quero que
traga Lefty, Larry, Tony e Big Angelo aqui, rápido! Sacou? E Wooly
também!
Desliguei
e fiquei ali sentado. Pensei em chamar a polícia. Sabia o que ia
acontecer. Eles defenderiam o garçom. E eu acabaria no depósito de
bêbados.
Saí
da cabine telefônica e voltei ao banquinho do balcão. Acabei minha
bebida. Depois peguei o cinzeiro e deixei-o cair, com força. O
garçom ergueu o olhar para mim. Eu me levantei, ergui o braço e
mostrei-lhe o dedo médio. Depois dei meia-volta e saí, sob as
risadas dele e da sua turma…
Parei
na loja de bebidas, peguei duas garrafas de vinho e fui para o Hotel
Helen, que ficava defronte do bar onde eu estivera. Tinha uma
namorada lá, bebum como eu. Era dez anos mais velha e trabalhava
como criada. Subi dois lances, bati na porta dela, esperando que
estivesse sozinha.
– Boneca!
– chamei – estou com um problema. Fui passado pra trás...
A
porta abriu-se. Betty estava sozinha e mais bêbada que eu.
Entrei
e fechei a porta atrás de mim.
– Onde
estão os copos de bebida?
Ela
mostrou e eu desembrulhei uma garrafa e servi dois copos. Ela
sentou-se na borda da cama e eu numa cadeira. Passei-lhe a garrafa.
Ela acendeu um cigarro.
– Eu
detesto este lugar, Benny. Por que a gente não mora mais juntos?
– Você
começou a bater calçada, boneca, me deixou louco.
– Bem,
você sabe como eu sou.
– É...
Betty
pegou seu cigarro e distraidamente enterrou-o no lençol. Vi a fumaça
começar a subir. Aproximei-me e levantei a mão dela. Havia um prato
sobre a cômoda. Eu o peguei e trouxe. Tinha comida ressecada dentro,
parecia um tamale. Pus o prato junto a ela, na cama.
– Aí
está um cinzeiro...
– Você
sabe que eu sinto falta de você – ela disse.
Enxuguei
meu vinho, servi outro.
– Escuta,
me deram troco a menos em cinquenta dólares aí defronte.
– Onde
você ia arranjar cinquenta dólares?
– Deixa
pra lá, eu arranjei. Aquele filho da puta me deu o troco a menos...
– Por
que não acabou com ele? Está com medo? Aquele é Jimmy. As mulheres
adoram ele! Toda noite, depois que o bar fecha, ele vai para o
estacionamento e canta. Elas ficam em torno dele ouvindo, e depois
uma delas consegue ir pra casa com ele.
– Ele
é um monte de merda...
– Jogou
rúgbi pelo Notre Dame.
– Que
merda é essa? Está caída por esse cara?
– Eu
não suporto ele.
– Ótimo.
Porque eu vou estourar o saco dele.
– Acho
que você está com medo...
– Já
me viu correr de uma briga?
– Vi
você perder algumas.
Não
respondi a esta observação. Continuamos bebendo e a conversa
derivou para outras coisas. Não me lembro muito da conversa. Quando
não estava batendo calçada, Betty era uma alma muito boa. Tinha
sensatez, mas era confusa, vocês sabem. Uma alcoólatra total. Eu
podia deixar por um ou dois dias. Ela não podia nunca. Era triste.
Conversamos. Tínhamos um acordo que tornava fácil a companhia um do
outro. Depois deu duas horas da manhã. Betty disse:
– Venha
cá, veja...
Fomos
à janela, e lá estava o garçom Jimmy no estacionamento. Não havia
dúvida, cantava. Três ou quatro garotas olhavam-no. Muitas risadas.
Grande
parte sobre minha nota de cinquenta dólares, pensei.
Então
uma das garotas entrou no carro com ele. As outras duas foram embora.
O carro ficou parado um instante. Os faróis acenderam-se, o motor
deu uns estouros, e ele partiu.
Que
babaca exibido, pensei. Eu só ligo os faróis depois que o motor
pegou.
Olhei
para Betty.
– Aquele
filho da puta realmente acha que é o tal. Vou estourar o saco dele.
– Você
não tem colhões – ela respondeu.
– Escuta
– pedi –, você ainda tem aquele bastão de beisebol debaixo da
cama?
– Tenho,
mas não posso me separar dele...
– Claro
que pode – eu disse, passando-lhe uma de dez.
– Tudo
bem. – Ela escorregou para fora da cama. – Espero que faça uma
grande jogada...
Na
noite seguinte, às duas horas da manhã, eu vigiava o
estacionamento, encostado ao lado do bar, agachado atrás de umas
duas latas de lixo grandes. Tinha o bastão de beisebol de Betty, um
velho Jimmy Foxx especial.
Não
tive de esperar muito tempo. O garçom saiu com suas garotas.
– Canta
pra gente, Jimmy!
– Canta
pra gente uma de suas músicas!
– Bem...
está certo – disse ele.
Ele
tirou a gravata, enfiou-a no bolso, desabotoou a camisa no pescoço,
ergueu a cabeça para a lua.
“Eu
sou o homem por quem você espera…
Sou
o homem que você deve adorar...
Sou
o homem que vai foder você no chão...
Sou
o homem que vai fazer você pedir mais...
e
mais...
e
mais...”
As
três garotas aplaudiram, riram e se amontoaram em volta dele.
– Oh,
Jimmy!
– Oh,
JIMMY!
Jimmy
recuou e conferiu as garotas. Elas esperavam. Finalmente, ele disse:
– Tudo
bem, esta noite é... Caroline...
Com
isso, as outras duas pareceram de crista caída, baixaram
obedientemente a cabeça e deixaram lentamente o estacionamento
juntas, voltando-se para dar um sorriso e um aceno a Jimmy e
Caroline, quando chegaram ao boulevard.
Caroline
ficou ali parada, ligeiramente bêbada, oscilando nos saltos altos.
Tinha um belo corpo, cabelos compridos. Parecia conhecida, de algum
modo.
– Você
é um homem de verdade, Jimmy – ela disse. – Eu te amo.
– Cascata,
sua puta, você só quer chupar meu pau.
– É,
isso também, Jimmy! – Caroline deu uma risada.
– Vai
chupar meu pau agora mesmo – disse Jimmy.
De
repente, parecia mau.
– Não,
espere... Jimmy, está indo rápido demais.
– Você
disse que me ama, então me chupa.
– Não,
espere...
Jimmy
estava muito bêbado. Tinha de estar, para agir daquele jeito. Não
havia muita luz no estacionamento, mas também não estava tão
escuro assim. Alguns caras são tarados. Gostam de fazer isso em
situações públicas.
– Você
vai me chupar, sua puta, já...
Jimmy
abriu o ziper, agarrou-a pelos cabelos compridos e forçou a cabeça
dela para baixo. Achei que ela ia fazer. Ela pareceu ceder.
Aí
Jimmy gritou. Gritou.
Ela
o mordera. Ele puxou-a pelo cabelo e esbofeteou-a, de punho fechado,
no rosto. Depois enfiou o joelho entre as pernas dela, e ela caiu,
imóvel.
Apagou,
pensei. Talvez eu arraste ela pra trás daquelas latas e foda ela
quando ele for embora.
Diabos
se ele não me assustara. Decidi não sair detrás daquelas latas de
lixo. Agarrei o bastão Jimmy Foxx e esperei que ele saísse.
Observei-o
fechar o zíper e dirigir-se com cuidado para seu carro. Abriu a
porta, entrou e ficou lá sentado algum tempo. Aí as luzes se
acenderam e o motor esturrou.
Ele
continuou lá, acelerando o motor.
Então
o vi sair. O motor continuava funcionando. Os faróis acesos.
Ele
contornou a frente do carro.
– Ei!
– disse em voz alta. – Que é isso? Eu estou vendo... você...
Pôs-se
a avançar em minha direção.
...Estou
vendo... você... quem caralhos... está... escondido atrás dessas
latas? Estou vendo... você... Saia já daí!
Veio
para cima de mim. A lua por trás das suas costas fazia-o parecer uma
criatura esquecida por Deus, saída de um filme de horror barato.
– Sua
barata da porra! – ele berrou. –Vou esmagar você!
Veio
para cima de mim. Eu estava acuado entre as latas de lixo. Ergui o
bastão Jimmy Foxx, desci-o e peguei-o em cheio no alto da cabeça.
Ele
não caiu. Só ficou ali parado me olhando. Tornei a bater. Era como
um filme cômico dos velhos tempos, em preto e branco. Ele continuou
ali, me fazendo uma careta horrível.
Eu
me esgueirei por trás das latas de lixo e comecei a me afastar. Ele
me seguiu.
Eu
me voltei.
– Me
deixe em paz – eu disse. – Vamos deixar isso pra lá.
– Eu
vou matar você, vagabundo! – ele disse.
As
duas mãos enormes avançaram para minha garganta. Eu me abaixei e
sentei o bastão numa das rótulas dele. Houve um barulho, como um
revólver disparando, e ele caiu.
– Vamos
deixar isso pra lá – eu disse. – Vamos deixar por aí mesmo.
Ele
estava de quatro, engatinhando para mim.
– Vou
matar você, vagabundo!
Sentei
o cacete na nuca dele com toda a força que tinha então. Ele estava
caído junto à sua amiga inconsciente. Olhei a garota, Caroline. Era
a da pele falsa. Decidi que não a queria, afinal.
Corri
ao carro do garçom, apaguei os faróis, desliguei o motor, tirei as
chaves e joguei-as no telhado do prédio. Depois corri para junto dos
corpos e peguei a carteira de Jimmy.
Saí
correndo do estacionamento, dei alguns passos para o sul e disse:
– Merda!
Voltei
e corri para o estacionamento e as latas de lixo. Tinha deixado meu
uísque lá. Numa sacola de papel. Peguei-o.
Em
seguida andei para o sul de novo até a esquina, atravessei a rua,
encontrei uma caixa de correspondência, olhei em volta. Ninguém.
Tirei as notas da carteira, joguei a carteira na caixa.
Em
seguida andei para o norte até chegar ao Hotel Helen. Entrei, subi a
escada, bati na porta.
– BETTY,
É BENNY! PELO AMOR DE DEUS, ABRA!
A
porta abriu-se.
– Merda...
que foi? – ela perguntou.
– Tenho
um pouco de uísque.
Entrei,
passei a corrente na porta. Ela estava com as luzes acesas. Saí em
volta apagando-as. Ficou escuro.
– Que
é que há? – ela perguntou. – Ficou louco?
Peguei
os copos e com mão trêmula servi dois.
Levei-a
até a janela. Os carros da polícia já estavam lá, as luzes
piscando.
– Que
diabos aconteceu? – ela perguntou.
– Algum
cara estourou o saco de Jimmy – eu disse.
Ouvia-se
a ambulância aproximando-se. Depois, já estava no estacionamento.
Embarcaram a garota primeiro. Depois pegaram Jimmy.
– Quem
pegou a garota? – perguntou Betty.
– Jimmy...
– Quem
pegou Jimmy?
– Que
diabos importa isso?
Pus
minha bebida na balaustrada da janela e enfiei a mão no bolso.
Contei as cédulas. Quatrocentos e oitenta dólares.
– Toma,
boneca...
Dei-lhe
cinquenta dólares.
– Nossa,
obrigada, Benny!
– Não
é nada...
– Os
cavalinhos devem estar dando mesmo!
– Melhor
que nunca, boneca...
– Saúde!
– ela disse, erguendo seu copo.
– Saúde!
– eu disse, erguendo o meu.
Batemos
os copos e os liquidamos, enquanto a ambulância dava ré e virava
para o sul, sirene ligada.
Ainda
não era a nossa vez.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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