terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Corrida para casa

Acho que eu tinha uns vinte e oito anos naquela época. Não estava trabalhando, mas tinha algum dinheiro porque dera sorte nas corridas – finalmente. Eram umas nove horas da noite. Eu estivera bebendo em meu quarto alugado há umas duas horas. Fiquei chateado, saí e comecei a descer a rua. Cheguei a um bar defronte do que eu frequentava, e por algum motivo entrei. Era bem mais limpo e vistoso que o meu bar de sempre, e eu pensei: bem, talvez eu dê sorte de arranjar um rabo de classe.
Sentei-me perto da entrada, a uns dois banquinhos de distância de uma garota. Ela estava sozinha e havia mais quatro ou cinco pessoas, homens e mulheres, na outra ponta do balcão. O garçom estava lá conversando com elas e rindo. Devo ter ficado ali sentado uns três ou quatro minutos. O garçom simplesmente continuou conversando e rindo. Eu detestava esses babacas, bebiam tudo que queriam, recebiam gorjetas, pegavam mulher, conquistavam admiração, conseguiam tudo que queriam.
Saquei um maço de cigarros. Tirei um. Não tinha fósforos. No balcão também não. Olhei para a dona.
Perdão, tem fósforos?
Irritada, ela enfiou a mão na bolsa. Tirou uma caixa e, sem me olhar, jogou-a no balcão.
Fique com ela – disse.
Tinha cabelos longos e um belo corpo. Usava um casaco e um chapeuzinho de peles. Vi-a jogar a cabeça para trás depois de chupar seu cigarro. Soltou a fumaça como se realmente soubesse da porra de alguma coisa. Essas são do tipo em que a gente gostaria de dar umas cintadas.
O garçom continuou a me ignorar.
Peguei um cinzeiro, segurei-o uns dois palmos acima do balcão e deixei-o cair. Isso chamou a atenção dele. Ele se aproximou, pisando nas tábuas. Era grandão, talvez um metro e noventa e cinco, cento e trinta quilos. Um pouco de gordura na barriga, mas ombros largos, cabeça grande, mãos grandes. Era bonitão, de um tipo burro, uma bêbada mecha de cabelo caindo sobre um olho.
Um Cutty Sark duplo com gelo – eu disse.
Foi bom não ter quebrado esse cinzeiro – ele disse.
Foi bom você ter ouvido – respondi.
As tábuas rangeram e gemeram quando ele voltou para preparar a bebida.
Espero que ele não me prepare um Mickey– eu disse à garota de mink falso.
Jimmy é legal – ela disse. – Não faz essas coisas.
Nunca encontrei um cara legal chamado “Jimmy” – eu disse.
Jimmy retornou com minha bebida. Peguei minha carteira e joguei uma nota de cinquenta dólares no balcão. Jimmy pegou-a, ergueu-a contra a luz e disse:
Merda!
Que é que há, rapaz? – perguntei. – Nunca viu uma nota de cinquenta dólares antes?
Ele tornou a percorrer as tábuas. Tomei um gole de minha bebida. Era um duplo, sem dúvida.
Os caras agem como se nunca tivessem visto uma nota de cinquenta dólares – eu disse à garota de chapéu de pele. – Eu só ando com notas de cinquenta.
Você é cheio de merda – ela disse.
Não, não sou – eu disse. – Dei uma cagada há uns vinte minutos.
Grande coisa...
Posso lhe comprar qualquer coisa.
Não está à venda – ela disse.
Que é que há? Está com cadeado? Se está, não se preocupe, ninguém vai pedir a chave.
Tomei outro gole.
Quer beber? – perguntei.
Só bebo com pessoas de quem gosto – ela disse.
Ora, você é que é cheia de merda – eu disse.
Onde está o garçom com meu troco, pensei. Está demorando muito...
Já ia deixar o cinzeiro cair de novo quando ele voltou, estalando a madeira com seus pés de chumbo.
Pôs o troco no balcão. Olhei-o, quando ele começou a se afastar.
EI! – berrei.
Ele voltou.
Que foi?
Isso é troco de dez. Eu lhe dei cinquenta dólares.
Você me deu dez...
Eu me voltei para a garota.
Escuta, você viu, não viu? Eu dei cinquenta dólares a ele!
Você deu a Jimmy uma nota de dez – ela disse.
Que porra é essa? – perguntei.
Jimmy começou a afastar-se.
Você não vai se safar assim! – eu berrei.
Ele continuou andando. Voltou para a turma na ponta do balcão e todos se puseram a falar e a rir.
Fiquei ali sentado, pensando. A garota perto de mim soprou uma pluma de fumo das narinas, a cabeça jogada para trás.
Pensei em espatifar o espelho atrás do balcão. Tinha feito isso em outro lugar. Mas hesitava.
Estava perdendo?
Aquele filho da puta tinha me desmoralizado, com todo mundo olhando.
A calma dele me preocupava mais que o seu tamanho. Tinha alguma coisa mais em sua vantagem. Uma arma embaixo do balcão? Queria que eu fizesse o jogo dele. As testemunhas seriam dele...
Eu não sabia o que fazer. Havia uma cabine telefônica perto da saída. Levantei-me, fui até lá, entrei, pus uma moeda, disquei um número ao acaso. Ia fingir que estava chamando meus cupinchas, que eles iam vir e estourar o bar. Fiquei ouvindo o número tocar do outro lado da linha. Parou. Atendeu uma mulher.
Alô – ela disse.
Sou eu – eu disse.
É você, Sam?
É, é, escuta...
Sam, aconteceu uma coisa terrível hoje! Wooly foi atropelado!
Wooly?
Nosso cachorro, Sam! Está morto!
Agora escuta. Estou no Olho Vermelho! Sabe onde fica? Ótimo! Quero que traga Lefty, Larry, Tony e Big Angelo aqui, rápido! Sacou? E Wooly também!
Desliguei e fiquei ali sentado. Pensei em chamar a polícia. Sabia o que ia acontecer. Eles defenderiam o garçom. E eu acabaria no depósito de bêbados.
Saí da cabine telefônica e voltei ao banquinho do balcão. Acabei minha bebida. Depois peguei o cinzeiro e deixei-o cair, com força. O garçom ergueu o olhar para mim. Eu me levantei, ergui o braço e mostrei-lhe o dedo médio. Depois dei meia-volta e saí, sob as risadas dele e da sua turma…

Parei na loja de bebidas, peguei duas garrafas de vinho e fui para o Hotel Helen, que ficava defronte do bar onde eu estivera. Tinha uma namorada lá, bebum como eu. Era dez anos mais velha e trabalhava como criada. Subi dois lances, bati na porta dela, esperando que estivesse sozinha.
Boneca! – chamei – estou com um problema. Fui passado pra trás...
A porta abriu-se. Betty estava sozinha e mais bêbada que eu.
Entrei e fechei a porta atrás de mim.
Onde estão os copos de bebida?
Ela mostrou e eu desembrulhei uma garrafa e servi dois copos. Ela sentou-se na borda da cama e eu numa cadeira. Passei-lhe a garrafa. Ela acendeu um cigarro.
Eu detesto este lugar, Benny. Por que a gente não mora mais juntos?
Você começou a bater calçada, boneca, me deixou louco.
Bem, você sabe como eu sou.
É...
Betty pegou seu cigarro e distraidamente enterrou-o no lençol. Vi a fumaça começar a subir. Aproximei-me e levantei a mão dela. Havia um prato sobre a cômoda. Eu o peguei e trouxe. Tinha comida ressecada dentro, parecia um tamale. Pus o prato junto a ela, na cama.
Aí está um cinzeiro...
Você sabe que eu sinto falta de você – ela disse.
Enxuguei meu vinho, servi outro.
Escuta, me deram troco a menos em cinquenta dólares aí defronte.
Onde você ia arranjar cinquenta dólares?
Deixa pra lá, eu arranjei. Aquele filho da puta me deu o troco a menos...
Por que não acabou com ele? Está com medo? Aquele é Jimmy. As mulheres adoram ele! Toda noite, depois que o bar fecha, ele vai para o estacionamento e canta. Elas ficam em torno dele ouvindo, e depois uma delas consegue ir pra casa com ele.
Ele é um monte de merda...
Jogou rúgbi pelo Notre Dame.
Que merda é essa? Está caída por esse cara?
Eu não suporto ele.
Ótimo. Porque eu vou estourar o saco dele.
Acho que você está com medo...
Já me viu correr de uma briga?
Vi você perder algumas.

Não respondi a esta observação. Continuamos bebendo e a conversa derivou para outras coisas. Não me lembro muito da conversa. Quando não estava batendo calçada, Betty era uma alma muito boa. Tinha sensatez, mas era confusa, vocês sabem. Uma alcoólatra total. Eu podia deixar por um ou dois dias. Ela não podia nunca. Era triste. Conversamos. Tínhamos um acordo que tornava fácil a companhia um do outro. Depois deu duas horas da manhã. Betty disse:
Venha cá, veja...
Fomos à janela, e lá estava o garçom Jimmy no estacionamento. Não havia dúvida, cantava. Três ou quatro garotas olhavam-no. Muitas risadas.
Grande parte sobre minha nota de cinquenta dólares, pensei.
Então uma das garotas entrou no carro com ele. As outras duas foram embora. O carro ficou parado um instante. Os faróis acenderam-se, o motor deu uns estouros, e ele partiu.
Que babaca exibido, pensei. Eu só ligo os faróis depois que o motor pegou.
Olhei para Betty.
Aquele filho da puta realmente acha que é o tal. Vou estourar o saco dele.
Você não tem colhões – ela respondeu.
Escuta – pedi –, você ainda tem aquele bastão de beisebol debaixo da cama?
Tenho, mas não posso me separar dele...
Claro que pode – eu disse, passando-lhe uma de dez.
Tudo bem. – Ela escorregou para fora da cama. – Espero que faça uma grande jogada...
Na noite seguinte, às duas horas da manhã, eu vigiava o estacionamento, encostado ao lado do bar, agachado atrás de umas duas latas de lixo grandes. Tinha o bastão de beisebol de Betty, um velho Jimmy Foxx especial.
Não tive de esperar muito tempo. O garçom saiu com suas garotas.
Canta pra gente, Jimmy!
Canta pra gente uma de suas músicas!
Bem... está certo – disse ele.
Ele tirou a gravata, enfiou-a no bolso, desabotoou a camisa no pescoço, ergueu a cabeça para a lua.

Eu sou o homem por quem você espera…
Sou o homem que você deve adorar...
Sou o homem que vai foder você no chão...
Sou o homem que vai fazer você pedir mais...
e mais...
e mais...”

As três garotas aplaudiram, riram e se amontoaram em volta dele.
Oh, Jimmy!
Oh, JIMMY!
Jimmy recuou e conferiu as garotas. Elas esperavam. Finalmente, ele disse:
Tudo bem, esta noite é... Caroline...
Com isso, as outras duas pareceram de crista caída, baixaram obedientemente a cabeça e deixaram lentamente o estacionamento juntas, voltando-se para dar um sorriso e um aceno a Jimmy e Caroline, quando chegaram ao boulevard.
Caroline ficou ali parada, ligeiramente bêbada, oscilando nos saltos altos. Tinha um belo corpo, cabelos compridos. Parecia conhecida, de algum modo.
Você é um homem de verdade, Jimmy – ela disse. – Eu te amo.
Cascata, sua puta, você só quer chupar meu pau.
É, isso também, Jimmy! – Caroline deu uma risada.
Vai chupar meu pau agora mesmo – disse Jimmy.
De repente, parecia mau.
Não, espere... Jimmy, está indo rápido demais.
Você disse que me ama, então me chupa.
Não, espere...
Jimmy estava muito bêbado. Tinha de estar, para agir daquele jeito. Não havia muita luz no estacionamento, mas também não estava tão escuro assim. Alguns caras são tarados. Gostam de fazer isso em situações públicas.
Você vai me chupar, sua puta, já...
Jimmy abriu o ziper, agarrou-a pelos cabelos compridos e forçou a cabeça dela para baixo. Achei que ela ia fazer. Ela pareceu ceder.
Aí Jimmy gritou. Gritou.
Ela o mordera. Ele puxou-a pelo cabelo e esbofeteou-a, de punho fechado, no rosto. Depois enfiou o joelho entre as pernas dela, e ela caiu, imóvel.
Apagou, pensei. Talvez eu arraste ela pra trás daquelas latas e foda ela quando ele for embora.
Diabos se ele não me assustara. Decidi não sair detrás daquelas latas de lixo. Agarrei o bastão Jimmy Foxx e esperei que ele saísse.
Observei-o fechar o zíper e dirigir-se com cuidado para seu carro. Abriu a porta, entrou e ficou lá sentado algum tempo. Aí as luzes se acenderam e o motor esturrou.
Ele continuou lá, acelerando o motor.
Então o vi sair. O motor continuava funcionando. Os faróis acesos.
Ele contornou a frente do carro.
Ei! – disse em voz alta. – Que é isso? Eu estou vendo... você...
Pôs-se a avançar em minha direção.
...Estou vendo... você... quem caralhos... está... escondido atrás dessas latas? Estou vendo... você... Saia já daí!
Veio para cima de mim. A lua por trás das suas costas fazia-o parecer uma criatura esquecida por Deus, saída de um filme de horror barato.
Sua barata da porra! – ele berrou. –Vou esmagar você!
Veio para cima de mim. Eu estava acuado entre as latas de lixo. Ergui o bastão Jimmy Foxx, desci-o e peguei-o em cheio no alto da cabeça.
Ele não caiu. Só ficou ali parado me olhando. Tornei a bater. Era como um filme cômico dos velhos tempos, em preto e branco. Ele continuou ali, me fazendo uma careta horrível.
Eu me esgueirei por trás das latas de lixo e comecei a me afastar. Ele me seguiu.
Eu me voltei.
Me deixe em paz – eu disse. – Vamos deixar isso pra lá.
Eu vou matar você, vagabundo! – ele disse.
As duas mãos enormes avançaram para minha garganta. Eu me abaixei e sentei o bastão numa das rótulas dele. Houve um barulho, como um revólver disparando, e ele caiu.
Vamos deixar isso pra lá – eu disse. – Vamos deixar por aí mesmo.
Ele estava de quatro, engatinhando para mim.
Vou matar você, vagabundo!
Sentei o cacete na nuca dele com toda a força que tinha então. Ele estava caído junto à sua amiga inconsciente. Olhei a garota, Caroline. Era a da pele falsa. Decidi que não a queria, afinal.
Corri ao carro do garçom, apaguei os faróis, desliguei o motor, tirei as chaves e joguei-as no telhado do prédio. Depois corri para junto dos corpos e peguei a carteira de Jimmy.
Saí correndo do estacionamento, dei alguns passos para o sul e disse:
Merda!
Voltei e corri para o estacionamento e as latas de lixo. Tinha deixado meu uísque lá. Numa sacola de papel. Peguei-o.
Em seguida andei para o sul de novo até a esquina, atravessei a rua, encontrei uma caixa de correspondência, olhei em volta. Ninguém. Tirei as notas da carteira, joguei a carteira na caixa.
Em seguida andei para o norte até chegar ao Hotel Helen. Entrei, subi a escada, bati na porta.
BETTY, É BENNY! PELO AMOR DE DEUS, ABRA!
A porta abriu-se.
Merda... que foi? – ela perguntou.
Tenho um pouco de uísque.
Entrei, passei a corrente na porta. Ela estava com as luzes acesas. Saí em volta apagando-as. Ficou escuro.
Que é que há? – ela perguntou. – Ficou louco?
Peguei os copos e com mão trêmula servi dois.

Levei-a até a janela. Os carros da polícia já estavam lá, as luzes piscando.
Que diabos aconteceu? – ela perguntou.
Algum cara estourou o saco de Jimmy – eu disse.
Ouvia-se a ambulância aproximando-se. Depois, já estava no estacionamento. Embarcaram a garota primeiro. Depois pegaram Jimmy.
Quem pegou a garota? – perguntou Betty.
Jimmy...
Quem pegou Jimmy?
Que diabos importa isso?
Pus minha bebida na balaustrada da janela e enfiei a mão no bolso. Contei as cédulas. Quatrocentos e oitenta dólares.
Toma, boneca...
Dei-lhe cinquenta dólares.
Nossa, obrigada, Benny!
Não é nada...
Os cavalinhos devem estar dando mesmo!
Melhor que nunca, boneca...
Saúde! – ela disse, erguendo seu copo.
Saúde! – eu disse, erguendo o meu.
Batemos os copos e os liquidamos, enquanto a ambulância dava ré e virava para o sul, sirene ligada.
Ainda não era a nossa vez.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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