quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Bilinguismo luso-brasileiro (parte 2)

Sei que já escrevi sobre isso. Mas não tenho culpa, o assunto não se esgota. Vivendo em Portugal, não sei se haverá um dia em que não acharei graça nisso tudo. Já mencionei os correios que descobri serem “curraios”, o jet ski que é mota d’água, o sorvete de baunilha que vira “gelado de bónilha” e o fatídico dia em que meu namorado pediu para colocar o despertador para 8h30 e eu podia jurar que ele estava pedindo para eu colocar o despertador para o Tim Maia.
Mas a saga continuou. Em Portugal existe um canal de música chamado VH1, mas cujo nome eles pronunciam em inglês: “vi-eidge-uãn. Foi quando meu namorado disse: “O vi-eidge-uãn está mesmo com boas músicas.” Ocorre que minha cunhada se chama Joana. E se ele fosse dizer “Vi a Joana”, ele certamente diria “Vi-ai-juãn”. Portanto, prontamente entendi que ele estava dizendo que tinha visto minha cunhada com boas músicas. E perguntei “Onde?” e ele disse “Na televisão”. E então perguntei “Sua irmã ouve música na televisão?” e ele respondeu “Ai-juãn?” e eu disse “Sim, você não disse que ela está com boas músicas?” e ele rebateu “Ai-juãn? Não, o vi-eidge-uãn”. Enfim, não vale a pena continuar narrando os minutos que levamos até nos entender.
Algo semelhante aconteceu quando fomos conversar com empreiteiros para fazer a obra da nossa casa. Conhecemos três, um deles moçambicano. E também fomos ver alguns materiais para a cozinha. Chegando em casa, eu perguntei “Qual foi o seu preferido?”, me referindo aos empreiteiros. E ele prontamente respondeu sobre o material da cozinha. Seu favorito era o “corian”, um revestimento branco para as bancadas. Obviamente que eu entendi que “corian” era sua forma lusitana de dizer “coreano”. E perguntei “Moçambicano você quer dizer, amor?” e ele respondeu “O que tem o moçambicano?” e eu disse “Você falou que o moçambicano era coreano” e ele “Eu disse isso? Quando?” e eu “Agora, seu louco”. Nessa situação levamos três meses para nos entender.
Numa outra ocasião, eu estava num evento em Lisboa e fiz uma pergunta qualquer a um senhor que trabalhava na produção. E ele me respondeu “Isso eu não sei responder, a senhora deve perguntar aos Açores”. E eu repeti “Aos Açores?” e ele disse “Sim, senhora”. Fiquei sem saber o que dizer. Encontrei um amigo português e disse, rindo, “Ele me mandou perguntar aos Açores” e o amigo respondeu “E qual a graça? Vamos lá perguntar”. Eu perguntei, rindo mais, “Você vai me levar até os Açores?” e ele disse “Claro, eles estão ali”. E então eu vi os assessores. Assessores. Assssssores. Açores.
Quando acho que estou me habituando às verduras que eles – estranhamente – chamam de grelos, encontro uma amiga portuguesa depois do almoço e digo “Onde você almoçou?”. Ela responde “Num grl” e eu “Oi?” “Fomos a um grl”. Eu tento me situar e pergunto “Foram comer grelos?” e ela “Não! Um grrrrrllllll” e eu assustada “Comeram grilos?????” e ela, quase me batendo, “GRLLLL, GRLLLL, FOMOS A UM GRLLLL DE CARNES!”. Ahhhh. Entendi. Um grill. Um grill de carnes, desculpe qualquer coisa.
Enfim. Eu sigo batalhando todo santo dia. E tento manter o humor, acima de tudo. Outro dia, meu namorado estava fazendo uma carne de porco, abriu o forno e disse “Acho que está fixe”. “Fixe” é legal em Portugal. E eu fiz o brilhante e espirituoso comentário “Então deu errado, porque era pra ter ficado pig e não fixe”. Ele não achou muita graça.
Comemos o pig fish, assistimos a Frozen pela nonagésima vez e minha enteada comeu bolachinhas com leite antes de dormir. Veio de pijama até mim com o pacote vazio na mão e perguntou “Ru, onde eu deito?” e eu falei “Ué, querida, na sua cama”. Ela achou estranho e foi. Quando cheguei ao quarto, estava o pacote na cama, cheia de migalhas. Deitar. Deitar fora. Jogar fora. O pacote. Das bolachas. Saquei.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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