Sei
que já escrevi sobre isso. Mas não tenho culpa, o assunto não se
esgota. Vivendo em Portugal, não sei se haverá um dia em que não
acharei graça nisso tudo. Já mencionei os correios que descobri
serem “curraios”, o jet ski que é mota d’água, o sorvete de
baunilha que vira “gelado de bónilha” e o fatídico dia em que
meu namorado pediu para colocar o despertador para 8h30 e eu podia
jurar que ele estava pedindo para eu colocar o despertador para o Tim
Maia.
Mas
a saga continuou. Em Portugal existe um canal de música chamado VH1,
mas cujo nome eles pronunciam em inglês: “vi-eidge-uãn. Foi
quando meu namorado disse: “O vi-eidge-uãn está mesmo com boas
músicas.” Ocorre que minha cunhada se chama Joana. E se ele fosse
dizer “Vi a Joana”, ele certamente diria “Vi-ai-juãn”.
Portanto, prontamente entendi que ele estava dizendo que tinha visto
minha cunhada com boas músicas. E perguntei “Onde?” e ele disse
“Na televisão”. E então perguntei “Sua irmã ouve música na
televisão?” e ele respondeu “Ai-juãn?” e eu disse “Sim,
você não disse que ela está com boas músicas?” e ele rebateu
“Ai-juãn? Não, o vi-eidge-uãn”. Enfim, não vale a pena
continuar narrando os minutos que levamos até nos entender.
Algo
semelhante aconteceu quando fomos conversar com empreiteiros para
fazer a obra da nossa casa. Conhecemos três, um deles moçambicano.
E também fomos ver alguns materiais para a cozinha. Chegando em
casa, eu perguntei “Qual foi o seu preferido?”, me referindo aos
empreiteiros. E ele prontamente respondeu sobre o material da
cozinha. Seu favorito era o “corian”, um revestimento branco para
as bancadas. Obviamente que eu entendi que “corian” era sua forma
lusitana de dizer “coreano”. E perguntei “Moçambicano você
quer dizer, amor?” e ele respondeu “O que tem o moçambicano?”
e eu disse “Você falou que o moçambicano era coreano” e ele “Eu
disse isso? Quando?” e eu “Agora, seu louco”. Nessa situação
levamos três meses para nos entender.
Numa
outra ocasião, eu estava num evento em Lisboa e fiz uma pergunta
qualquer a um senhor que trabalhava na produção. E ele me respondeu
“Isso eu não sei responder, a senhora deve perguntar aos Açores”.
E eu repeti “Aos Açores?” e ele disse “Sim, senhora”. Fiquei
sem saber o que dizer. Encontrei um amigo português e disse, rindo,
“Ele me mandou perguntar aos Açores” e o amigo respondeu “E
qual a graça? Vamos lá perguntar”. Eu perguntei, rindo mais,
“Você vai me levar até os Açores?” e ele disse “Claro, eles
estão ali”. E então eu vi os assessores. Assessores. Assssssores.
Açores.
Quando
acho que estou me habituando às verduras que eles – estranhamente
– chamam de grelos, encontro uma amiga portuguesa depois do almoço
e digo “Onde você almoçou?”. Ela responde “Num grl” e eu
“Oi?” “Fomos a um grl”. Eu tento me situar e pergunto “Foram
comer grelos?” e ela “Não! Um grrrrrllllll” e eu assustada
“Comeram grilos?????” e ela, quase me batendo, “GRLLLL, GRLLLL,
FOMOS A UM GRLLLL DE CARNES!”. Ahhhh. Entendi. Um grill. Um grill
de carnes, desculpe qualquer coisa.
Enfim.
Eu sigo batalhando todo santo dia. E tento manter o humor, acima de
tudo. Outro dia, meu namorado estava fazendo uma carne de porco,
abriu o forno e disse “Acho que está fixe”. “Fixe” é legal
em Portugal. E eu fiz o brilhante e espirituoso comentário “Então
deu errado, porque era pra ter ficado pig e não fixe”. Ele
não achou muita graça.
Comemos
o pig fish, assistimos a Frozen pela nonagésima vez e
minha enteada comeu bolachinhas com leite antes de dormir. Veio de
pijama até mim com o pacote vazio na mão e perguntou “Ru, onde eu
deito?” e eu falei “Ué, querida, na sua cama”. Ela achou
estranho e foi. Quando cheguei ao quarto, estava o pacote na cama,
cheia de migalhas. Deitar. Deitar fora. Jogar fora. O pacote. Das
bolachas. Saquei.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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