Desde
o nascimento de Leopoldina na família Yapurra, as mulheres ganhavam
nomes que começam com L, e eu, por ser tão pequeno, era chamado de
Garotinho.
Ludovica
e Leonor, que eram as mais novas, buscavam por um milagre junto ao
riacho, todas as tardes, ao cair do sol. Íamos à encosta chamada
Agua de la Salvia. Deixávamos os garrafões perto da água e nos
sentávamos em uma pedra, esperando com olhos muito abertos a chegada
da noite. Todas as conversas levavam ao mesmo tema.
— Juan
Mamanís vai estar em Catamarca — dizia Ludovica.
— Ai!
Que bicicleta mais lindinha ele carregava! Todos os anos ele visita a
Nossa Senhora do Vale.
— Você
faria uma promessa assim, de ir a pé, como Javiera?
— Meus
pés são muito delicados para isso.
— Se
tivéssemos uma santa como essa!
— Juan
Mamanís não iria a Catamarca.
— Não
dou a mínima. O que me aflige é a santa.
Eu
nunca parava quieto; elas conheciam meu costume. “Garotinho, largue
isso”, me dizia Ludovica, “as aranhas são venenosas”, ou
“Garotinho, não faça isso. Não se faz xixi na água”.
Alguém
havia lhes dito, talvez a curandeira, que a essa hora brilhava uma
luz em uma fenda entre as pedras e que uma sombra aparecia na
beirinha do riacho.
— Um
dia a encontraremos — dizia Leonor. — Há de se parecer com a
Nossa Senhora do Vale.
— Pode
ser que seja um espírito — respondia Ludovica. — Eu não me
iludo — e ao colocar os pés no riacho ela espirrava água em meus
olhos e em minhas orelhas. Eu tremia. — O que você vai fazer,
Garotinho, quando a neve começar a cair, quando todas as árvores e
o chão estiverem brancos? Não vai sair de perto da lareira, hein?
Se até a água morna faz você tiritar como uma estrela.
— Se
descobrirmos uma nova santa, sairemos nos jornais. Vão dizer assim:
“Duas meninas em Chaquibil viram a aparição de uma nova Nossa
Senhora. As altas autoridades irão presenciar o ato”. Uma gruta
iluminada será feita para a estátua, e depois será construída a
basílica. Posso imaginar direitinho a Nossa Senhora de Chaquibil:
morena, com um vestido escarlate, espelhinhos e um manto azul, com a
bainha dourada.
— Eu
já me contentaria se ela tivesse uma saia como a nossa e um lenço
na cabeça, contanto que ela nos desse presentes.
— As
santas não dão coisas de presente nem se vestem como a gente.
— Você
sempre quer ter razão.
— Quando
tenho razão, tenho razão.
— Para
concordar com você, a gente não pode nem ter opinião própria —
comentava Leonor enquanto afagava minha cabeça.
A
noite caiu bruscamente, com cheiro de menta e de chuva.
Ludovica
e Leonor encheram os garrafões, beberam água e voltaram para casa.
No caminho, pararam para conversar com um velho que carregava uma
bolsa. Falaram do milagre esperado. Disseram que de noite ouviam o
chamado daquela aparição. O velhinho respondeu:
— Deve
ser a raposa cantando. Para que procurar milagres fora de casa,
quando vocês têm Leopoldina, que faz milagres com os sonhos?
Ludovica
e Leonor ficaram pensando se aquilo era verdade.
Na
cozinha, em uma cadeirinha de vime com um respaldo altíssimo,
Leopoldina estava sentada, fumando. Era tão velha que parecia uma
garatuja; não dava para ver nem seus olhos nem a boca. Cheirava a
terra, a erva, a folha seca; não a gente. Feito um barômetro,
anunciava as tempestades ou o bom tempo; mesmo antes de mim, ela
sentia o cheiro da onça-parda que descia a montanha para comer os
cabritinhos ou torcer o pescoço dos potrinhos. Embora não saísse
de casa havia trinta anos, sabia, como os pássaros sabem, em qual
vale, junto a qual riacho, estavam as nozes, os figos, os pêssegos
maduros; até mesmo o passarinho saci, com seu canto desolado, que é
arisco como a raposa, desceu certo dia para comer em sua mão
migalhas de biscoito banhadas em leite, certamente achando que ela
era um arbusto.
Leopoldina
sonhava, sentada na cadeirinha de vime. Às vezes, ao acordar, sobre
sua saia ou ao pé da cadeirinha, ela encontrava os objetos que
apareciam em seus sonhos; mas os sonhos eram tão modestos, tão
pobres — sonhos de espinhos, sonhos de pedras, sonhos de gravetos,
sonhos de pluminhas —, que ninguém se espantava com o milagre.
— O
que sonhou, Leopoldina? — perguntou Leonor naquela noite, ao entrar
em casa.
— Sonhei
que caminhava por um riacho seco, juntando pedrinhas redondas. Aqui
está uma — disse Leopoldina, com voz de flauta.
— E
como conseguiu a pedrinha?
— Olhando
para ela, só isso — respondeu.
Junto
à encosta, Leonor e Ludovica não esperaram, como nas outras tardes,
a chegada da noite, na esperança de assistir a um milagre. Voltaram
para casa com o passo apressado.
— Com
o que sonhou, Leopoldina? — perguntou Ludovica.
— Com
as plumas de uma pomba-torcaz que caíam no chão. Aqui está uma —
acrescentou Leopoldina, mostrando-lhe uma pluminha.
— Diga,
Leopoldina, por que não sonha com outras coisas? — disse Ludovica
com impaciência.
— Minha
filha, com o que quer que eu sonhe?
— Com
pedras preciosas, com anéis, com colares, com escravas. Com algo que
sirva para alguma coisa. Com automóveis.
— Não
sei, filhinha.
— Não
sabe o quê?
— O
que são essas coisas. Tenho quase cento e vinte anos e sempre fui
muito pobre.
— É
hora de ficarmos ricas. A senhora pode trazer a riqueza para esta
casa.
Nos
dias seguintes, Leonor e Ludovica passaram a se sentar perto de
Leopoldina, para vê-la dormir. Despertavam-na a cada minuto.
— Sonhou
com o quê? — perguntavam a ela. — Sonhou com o quê?
Ela
costumava responder que tinha sonhado com pluminhas, outro dia com
pedrinhas, e outros, com ervas, gravetos ou rãs. Ludovica e Leonor
às vezes protestavam acidamente, às vezes com ternura, para
comovê-la, mas Leopoldina não era dona de seus sonhos: tanto a
perturbaram que já não conseguia nem dormir. Resolveram lhe dar um
guisado indigesto.
— O
estômago pesado dá soninho — disse Ludovica, preparando uma
fritura escura com um cheiro delicioso.
Leopoldina
comeu, mas não sonhou.
— Vamos
dar vinho a ela — disse Ludovica. — Vinho quente.
Leopoldina
bebeu, mas não dormiu.
Leonor,
que era precavida, foi em busca da curandeira, para pedir algumas
ervas soníferas. A curandeira vivia em um lugar afastado. Tivemos
que atravessar o charco e uma das mulas se afundou em um pântano. As
ervas que Leonor conseguiu tampouco deram resultado. Ludovica e
Leonor debateram, por alguns dias, sobre onde seria conveniente
procurar um médico; se em Tafí del Valle ou em Amaicha.
— Se
vamos a Amaicha, vamos trazer uvas — disse Leonor a Leopoldina,
para consolá-la.
Em
seguida riu: — Não é época de uva.
— E
se formos a Tafí del Valle, traremos um queijinho da queijaria do
Churquí — disse Ludovica.
— Vão
levar o Garotinho, para que ele dê um passeio? — disse Leopoldina,
como se não gostasse nem de queijo nem de uva.
Fomos
a Tafí del Valle. Cruzamos bem devagar, a cavalo, o charco onde a
mula tinha morrido. Já na vila, fomos ao hospital e Leonor perguntou
pelo médico. Nós a esperamos no pátio. Enquanto Leonor falava com
o médico, tivemos tempo de sair para um passeio pela cidadezinha;
quando voltamos, Leonor nos recebeu na porta do hospital com um
pacote na mão. O pacote continha um medicamento, uma seringa e uma
agulha para injeções. Leonor sabia dar injeções: uma enfermeira
que ela tinha conhecido lhe ensinou a arte de cravar a agulha numa
laranja ou numa maçã. Dormimos em Tafí del Valle e, de manhã, bem
cedinho, começamos o regresso.
Ao
nos ver chegar, como se tivesse sido ela a ter feito a viagem,
Leopoldina disse que estava cansada, e dormiu pela primeira vez
depois de vinte dias de insônia.
— Que
bandida — disse Ludovica. — Ela dorme para nos mostrar desdém.
Quando
viram que ela despertava, perguntaram:
— Sonhou
com o quê? Tem que nos contar com o que sonhou.
Leopoldina
balbuciou algumas palavrinhas. Ludovica a sacudiu pelo braço.
— Se
não nos disser com o que sonhou, Leonor vai lhe aplicar uma injeção
— acrescentou, exibindo a agulha e a seringa.
— Sonhei
que um cachorro escrevia minha história: aqui está — disse
Leopoldina, mostrando umas folhas de papel amassadas e sujas. —
Vocês poderiam lê-la, filhinhas, para que eu a escute?
— Será
possível que não pode sonhar com coisas mais importantes? — disse
Leonor indignada, atirando ao chão as folhas. Em seguida trouxe um
livro enorme com gravuras em cor e cheirando a xixi de gato, que a
professora tinha lhe emprestado. Depois de folheá-lo atentamente,
deteve-se em algumas gravuras, que mostrou a Leopoldina,
friccionando-as com o dedo indicador. — Automóveis — virava as
páginas —, colares — virava as páginas —, pulseiras —
soprava as páginas —, joias — umedecia o polegar com saliva —,
relógios — girava as folhas entre seus dedos. — Tem que sonhar
com essas coisas, e não com porcarias sem importância.
Foi
neste momento, Leopoldina, que falei com você, mas você não me
ouviu, porque tinha dormido de novo e alguma coisa deslizou do seu
sonho anterior para seu sonho presente.
— Você
se lembra dos meus antepassados? Se você invocá-los como eu sou,
barrigudos, rudes, fervorosos e temerosos, vai se lembrar dos objetos
mais suntuosos que já conheceu: aquele medalhão banhado a ouro, com
uma mecha de cabelo dentro, que te deram de presente de casamento; as
pedras do colar da sua mãe, que sua nora roubou; aquele cofre cheio
de medalhinhas com água-marinha; a máquina de costura; o relógio;
a carruagem com cavalos mansos de tão velhos que eram. É
inacreditável, mas tudo isso existiu. Você se lembra daquela loja
deslumbrante em Tafí del Valle, onde você comprou um broche com a
cabeça de um cachorro parecido comigo gravada na pedra? Só mesmo eu
posso me lembrar disso, eu, que para te curar da asma fui o abrigo do
seu peito.
— Se
você não dormir, vamos aplicar a injeção na senhora — ameaçou
Ludovica.
Leopoldina,
aterrorizada, voltou a dormir. A cadeira de vime, que balançava,
soltava um ruidinho estranho.
— Será
que têm ladrões por aqui? — perguntou Leonor.
— Não
tem lua.
— Devem
ser os espíritos — respondeu Ludovica.
Sabe
por que eu chorava? Porque eu sentia se aproximar o vento Zonda.*
Nem
Leonor nem Ludovica o escutavam, porque suas vozes retumbavam,
desesperadas ou quem sabe esperançadas, perguntando:
— Sonhou
com o quê? Sonhou com o quê?
Desta
vez Leopoldina saiu da casa, sem responder, e me disse:
— Vamos,
Garotinho, é chegada a hora.
Imediatamente
o vento Zonda começou a soprar. Para os cristãos, o Zonda sempre
tinha sido anunciado antes que aos outros, com um céu muito limpo,
com um sol desbotado e bem desenhadinho, com um ameaçador barulho de
mar (não conheço o mar) ao longe. Mas desta vez ele chegou como um
relâmpago, varreu o chão do pátio, amontoou folhas e galhos nas
frestas das montanhas, degolou os animais entre as pedras, destruiu
as terras lavradas e um redemoinho levantou no ar Leopoldina e a mim,
seu cachorro pila chamado Garotinho, que escreveu esta história
durante o penúltimo sonho de sua dona.
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O Zonda é o vento vindo da cordilheira dos Andes e caracterizado por
sua alta temperatura, secura e intensidade. Provoca grandes danos por
onde passa, pois levanta tal quantidade de areia que chega a encobrir
a vista quase por completo. Segundo uma lenda nascida no norte da
Argentina, o vento Zonda é um castigo enviado pela Pacha Mama, a
mais alta divindade dos povos indígenas da região e que representa
a mãe Terra, a natureza. (N. T.)
Silvina Ocampo, in A fúria
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