Dia
11 de novembro de 2008
Dirão
alguns que o cepticismo é uma doença da velhice, um achaque dos
últimos dias, uma esclerose da vontade. Não ousarei dizer que o
diagnóstico seja completamente equivocado, mas direi que seria
demasiado cómodo querer escapar às dificuldades por essa porta,
como se o estado actual do mundo fosse simplesmente consequência de
que os velhos sejam velhos… As esperanças dos jovens nunca
conseguiram, até hoje, tornar o mundo melhor, e o sempre renovado
azedume dos velhos nunca foi tanto que chegasse para torná-lo pior.
Claro que o mundo, pobre dele, não tem culpa dos males de que
padece. O que chamamos estado do mundo é o estado da desgraçada
humanidade que somos, inevitavelmente composta de velhos que foram
novos, de novos que hão-de ser velhos, de outros que já não são
novos e ainda não são velhos. Culpas? Ouço dizer que todos as
temos, que ninguém pode gabar-se de estar inocente, mas parece-me
que semelhantes declarações, que aparentemente distribuem justiça
por igual, não passam, quando muito, de espúrias recidivas mutantes
do chamado pecado original, servem apenas para diluir e ocultar, numa
imaginária culpa colectiva, as responsabilidades dos autênticos
culpados. Do estado, não do mundo, mas da vida.
Escrevo
isto num dia em que chegaram a Espanha e Itália centenas de homens,
mulheres e crianças nas frágeis embarcações que costumam utilizar
para alcançar os supostos paraísos de uma Europa rica. À ilha de
Hierro, nas Canárias, por exemplo, chegou um barco desses, dentro do
qual havia uma criança morta, e alguns náufragos declararam que
durante a viagem tinham morrido e sido lançados ao mar vinte
companheiros de martírio… Que não me falem de cepticismo, por
favor.
José Saramago, in O caderno
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