Caro
sr. Ministro:
No
momento em que lhe escrevo estas mal traçadas, V. Exª. ainda não
é. Prepara-se para ser. O ato de sua nomeação vaga no ar, à
maneira de um débil fumo, e só se tornará realidade, dessas
realidades que a gente apalpa e ferra o dente, quando o Diário
Oficial o recolher em suas páginas conspícuas. Não importa. Já
os abraços, num tropismo comovedor, voaram em bando no rumo do seu
apartamento e lhe envolveram e confortaram as espáduas
pré-ministeriais. O leiteiro de V. Exª. percebeu algo de insólito
na atmosfera (a fumacinha do decreto, sem dúvida) e foi
congratular-se com a cozinheira de V. Exª., que assumiu ares
misteriosos e graves. O chofer de V. Exª. passou a ser assediado por
gregos e goianos, o jornaleiro de V. Exª.a mostrou-lhe, sorrindo, a
manchete com o seu nome e, mais abaixo, a sua aprazível verônica; a
manicura de V. Exª… Silenciemos a manicura. Mas por todos esses
signos se comprova que começou, como dizem os jornalistas mais
cultos, a sacralidade de V. Exª., e que os astros abriram em sua
vida nova picada.
Caro
sr. Ministro, sou fraco, e imagino por mim, quando se cogitou de meu
nome para segundo tesoureiro da comissão comemorativa do centenário
do último banho de chuveiro em Copacabana, a emoção complexa que
ora viaja a rede nervosa de V. Exª. É um alvoroço, um arrepio
suave, uma inquietação branda, uma pressa de amanhecer, uma
suspeita vaga de que tudo seja ilusão, um temor de que à última
hora certa egrégia pessoa pratique alguma falseta, um rir e um pular
íntimos, um desejo de dar cambalhota e de fazer discurso… Sei
muito bem o que são essas coisas. Acredite: constituem o melhor do
melhor, e o que vem depois, como sensação, não corresponde.
Já
pensou V. Exª., sr. Ministro, na hora imprópria em que o convidaram
(ou vão convidá-lo, pois o Lourival às vezes se demora) para
assumir esse belo título? As eleições vêm aí a toque de caixa, e
depois delas, novas eleições. V. Exª. terá de fazer força pelos
outros, com ar de quem não faz, e o pior é que o seu nome não
constará de cédula alguma. Assim, pois, é só o tempo de sentar-se
e levantar-se. Daqui a um ano e meio (no máximo, e, se não chover,
antes) estará V. Exª. de mesa arrumada, pronto para entregá-la
Deus sabe a quem, e que são dezoito meses na vida de um homem? V.
Exª. ficará ministro, como no dizer do poeta Paul Valéry, nome,
aliás, que será de bom efeito citar nas recepções de madame
Mineur:
le
temps d’un sein nu
entre
deux chemises!
É
pouco. V. Exª., muito humanamente, pensa em reformas. O Brasil está
sendo reformado a partir de 1500, e não seria decoroso interromper
essa tradição saudável. Mas como que V. Exª. terá tempo de
reformar algo mais além das cortinas do seu gabinete?
Leia
V. Exª. a Carta de guia de ministros, editada nos bons tempos
pela livraria Quaresma. Lá se diz que a ministrança de cinco anos é
dádiva do Senhor, a de quatro não é má, a de três, só com
escritura de promessa em cartório, a de ano e meio é caso de
responder pelo expediente, não mais. V. Exª. vai ser e não ser,
qual novo Hamleto. De qualquer modo, bonne chance, e aceite as
expressões de minha cordial simpatia e inútil solidariedade.
Carlos Drummond de Andrade, in Fala, Amendoeira
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