Recita
“Eu tive um cão”, depois “morrer dormir”, ele dizia.
Eu
recitava toda poderosa.
‘Eh
trem!’ ele falava, guturando a risada, os olhos
amiudados
de emoção, e começava a dele:
“Estrela,
tu estrela, quando tarde, tarde, bem tarde,
brilhaste
e volveste o teu olhar para o passado
recordas-te
e dirás com saudade: sim, fui mesmo ingrato.
Mas
tu lembrarás que a primavera passa e depois volta
e
a mocidade não volta mais”.
A
última palavra, sufocada. O que estava embaçado
eram
seus óculos. Ó meu pai, o que me dava então?
Comida
que mata a fome e mais outras fomes traz?
Eu
hoje faço versos de ingrato ritmo.
Se
o ouvisses por certo me dirias com estranheza e amor:
‘Isso,
Delão, isso!’ O bastante para eu começar recompensada:
Agora
as boas, pai, agora as boas:
“Eu
tive um cão”, “Estrela, tu estrela”,
“Morrer
dormir, jamais termina a vida”,
jamais,
jamais,
jamais.
Adélia Prado, in Bagagem
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