A
chuva pingando
desenterrou
meu pai.
Nunca
o imaginara
assim
sepultado
ao
peso dos bondes
em
rua de asfalto,
palmeiras
gigantes balouçando na praia
e
uma voz de sono
a
alisar-me o cabelo
de
onde escorrem músicas,
dinheiro
perdido,
confissões
exaustas,
fichas,
copos, pérolas.
Sabê-lo
exposto
a
esse bafo úmido
que
vem dos recifes
e
bate na cara,
desejar
amá-lo
sem
qualquer disfarce,
cobri-lo
de beijos, flores, passarinhos,
corrigir
o tempo,
passar-lhe
o calor
de
um lento carinho
maduro
e recluso,
confissões
exaustas
e
uma paz de lã.
Sentir-me
tão pobre
de
bens naturais,
querer
transportá-lo
ao
velho sofá
da
antiga fazenda,
mas
pingos de chuva
mas
placas de lama sob luzes vermelhas
mas
tudo que existe
madrugada
e vento
entre
um peito e outro,
brutos
trapiches,
confissões
exaustas
e
ingratidão.
Que
pode um homem
ao
alvorecer
— gosto
de derrota
na
boca e no ar —
ou
a qualquer momento
em
qualquer país?
Tudo
que falou, mentiu ou bebeu
e
o mais que se oculta
nas
pregas do sono,
pontas
de cigarro,
a
chuva nas luzes,
confissões
exaustas,
náusea
matinal.
Vagas
montanhas,
ondas
esverdeando,
jornais
já brancos,
música
indecisa
tentando
criar
condições
de espera,
dia
pálido, canção balbuciada:
já
nada me lembra
o
asfalto perfeito.
Alçapões
desertos,
o
corpo se move,
confissões
exaustas,
rudemente,
caminho de casa.
Carlos Drummond de Andrade, in A Rosa do Povo
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