Minha
madrinha não usava culhoneira coisíssima nenhuma! Pára com isso,
seus detratores infames! Chamar aquelas finíssimas cuecas
samba-canção de culhoneiras é um ultraje à memória da coroa.
Me
lembro como se fosse hoje! Os meninos brincando de pica-pau, espécie
de beisebol caboclo, e o Clóvis Pau-Pequeno, que era bonitinho mas
ordinário, não acertava uma.
Minha
madrinha, que gostava profundamente de criança mimada com ar de
debilóide, disse pro Clóvis:
– Desse
jeito você não vai marcar ponto nunca, filho. O simpático menino
entrou em suruba mental, estado que seria, com o passar do tempo,
cada vez mais freqüente:
– Ka’sóra
faô, dinda? Tô munto suluba, munto suluba!
– Calma,
querido! Em primeiro lugar, cachorra ou coisa parecida é a tua
velha, tá? E pára com esse negoço de suluba. Com o bastão que
você tem, sei não, mas acho melhor ficar fora dessas jogadas...
Clovinho
voava:
– Batão?
Batão? Munto suluba.
Minha
madrinha, com toda a paciência, explicou pro aezinho:
– Cubatão
é outra piada, filho. Ninguém aqui passou no cu batão. Só nos
lábios... o que eu tô tentando te ensinar é que com esse pauzinho
aí...
A
verdade é que Dindinha tinha muitos inimigos. Quando chupava a
espuma de cerveja aderida ao bigode, meus prezados, era pior que
incêndio na capital paulista. Sei que fica meio escroto um afilhado
dileto dizer que a madrinha ostentava bigodes, mas ela preferia
assim. Uma vez, o Sardinha marchezou essa:
– Permita-me
chamá-la também de madrinha! Sua dignidade floresce na razão
direta do seu buço! Gente que brilha!
Dindinha
entrou de peixinho no ovo esquerdo do Sardinha:
– Meu
filho, tira essa boca mole do meu buço que eu to com corrimento. Vai
babar a genitália de outro. Comigo, não. Gente que brilha é com o
Dr. Paulo Roberto.Tu não tem gabarito. Vê se dá um tiro no coco.
Graças
a esse estilo... hum... contundente, Waldyr Iapetec, em tarde de
reminiscência, evocou-a entre suspiros:
– Emília
era... era... era o general Figueiredo da Vila!
Na
famosa crise de impotência do Lindauro, o “consolo” da coroa
entrou com tudo:
– Isso
passa, menino grande. O negoço é não desanimar e ir botando
dobrado mesmo. Como disse aquele grande escritor: “Até os sinos
dobram!”.
Deysinha,
compenetrada (nem tanto) esposa do Lindauro, corrigiu, meio
ressabiada:
– O
certo é: “Por quem?”.
Minha
madrinha não perdeu a ponta:
– Por
quem é outro problema, filha. Eu ficaria caladinha sobre isso - pelo
menos até endurecer, né? Às vezes, o que tá encolhido aqui, chega
ali na esquina e desenrola na mão de outra com a maior facilidade,
minha flor. A vida me ensinou que pinguelo é que nem fita métrica:
cresce de acordo com o que vai medir. Lições de abismo...
Finíssima
psicóloga, instrumentalizava (hi, hi, hi) segundo a particularidade
de cada problema. Me lembro como se fosse hoje – lá vem bafo –
de uma prima das Laranjeiras, a
Angélica,
fresca como ela só, diante do minucioso jardim de vó Noêmia:
– Quisera
ser uma crisálida entre essas flores!
E
Dindinha, bem esportiva:
– Não
dá, querida. O time das crisálidas tá completo. Mas ainda tem vaga
pra estrume...
Generosa
Dindinha! Em todos atochava uma palavra de conforto, uma fornida
gentileza, um gualibão retórico.
Nutria,
com cremes e loções, a ilusão de ser “bem-conservada”. Não
admitia papo sobre o assunto. Com a lógica meio caduca dos que têm
medo do espelho, considerava a velhice perigosa não porque existisse
de fato, mas por ser produto da imaginação de agitadores mais
jovens. Andreazza puro, né? Num dos seus aniversários de casamento,
o Dr. Cecílio, Presidente do Iapetec, bostejou:
– A
senhora é um paradigma para todos nós: envelhecer como quem cruza
as águas do Amazonas a vau!
Abram
alas pra minha madrinha:
– Tua
mãe também merece pára-choques: envelheceu e ainda usa anágua na
Zona na maior cara-de-pau!
Sinto
um gelado frêmito de saudade! (Errata: não é bem isso. Acontece
que entornei a caipirinha nas calças).
A
derradeira lembrança que tenho de Dindinha: sentada, muito ereta,
por distração, numa travessa de cuscuz que minha vó colocara um
instantinho sobre o assento da poltrona favorita de Dindinha. Foi na
festa de batizado do Marcelinho, filho terrível do não menos
terrível Walcyrzinho. O pagode corria animado, mas um tal de Dr.
Hora resolveu ir atrás do trio elétrico:
– Eu
acho importante a sobriedade mística. Pra pensar, viver, andar de
patins. Digo sempre pra Sílvia, minha esposa: vamos abrir nosso
relacionamento sexual. Gibran estava certo: somos o arco.
E
tome falação. Ninguém aguentava mais. Desprestigiado, Dr. Hora,
que fazia análise didática, resolveu se arrancar. Minha madrinha
acenou alegremente pra ele:
– Tchau,
Zorro!
– Hora,
madame, Dr. Hora.
O
Rio amanheceu cantando com a resposta merecida:
– Prefiro
te chamar de Zorro. Afinal de contas tu é mascarado, só trepa na
Sílvia fazendo escândalo, metido a sóbrio e chegado a um arco.
Quem sabe da tua vida é o Tonto…
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo
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